AMÉRICA DO SUL

Mudança: Chile elege os redatores da nova Constituição

Além dos constituintes, das urnas sairão os próximos governadores dos departamentos

Rodrigo Craveiro
postado em 16/05/2021 06:00
Sebastián Piñera, presidente chileno, ao votar, em Santiago:
Sebastián Piñera, presidente chileno, ao votar, em Santiago: "É um imperativo moral" - (crédito: Marcelo Segura/AFP)

Os chilenos começaram a ir às urnas, ontem, para eleger as 155 pessoas que terão a tarefa de redigir uma nova Constituição, em substituição à Carta Magna criada pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), em 1980. Mais de 14,9 milhões de cidadãos estão aptos a escolher entre 1.278 candidatos que disputam 138 cadeiras na Convenção Constituinte — outros 95 lutam por 17 assentos reservados aos povos indígenas. A eleição, que prossegue hoje, é considerada a mais simbólica da era democrática do Chile. Depois de levar pouco mais de quatro minutos para votar, o presidente Sebastián Piñera insistiu que esta votação é “muito importante” e instou os chilenos a exercerem o direito ao voto. “Sinto que é um dever, um imperativo moral”, declarou.

Além dos constituintes, das urnas sairão os próximos governadores dos departamentos. Pela primeira vez no mundo, uma eleição é realizada sob critérios de paridade de gênero, tanto para a inscrição de candidatos quanto para definir os representantes eleitos. Se dois homens forem os mais votados, a lista correrá até a mulher com mais votos.

“Vivemos um momento histórico. É um processo importante, pois o descontentamento e a violência desatada em outubro de 2018 foram canalizados pela via institucional. Mas também é relevante gerir as expectativas, tendo em vista que a Convenção Constituinte, a ser instalada nos próximos meses, terá apenas um ano para redigir o novo texto”, avalia o cientista político Pablo Rodríguez, coordenador da Área Política-Eleitoral do Instituto Libertad, em Santiago do Chile. Apesar de reconhecer um momento de ruptura, ele considera incertos os rumos do país e explica que a pandemia da covid-19 interrompeu um processo social.

Rodríguez destaca o fato de que diferentes forças políticas se sentarão à mesma mesa para acordar uma nova Constituição. “Provavelmente, a nova Carta Magna reforçará o papel do Estado, associado a uma ampliação dos direitos sociais em distintas áreas, como habitação. Mas a chave estará em como serão garantidos esses direitos sociais, a fim de que não se tornem ‘letra morta’.” Para Marcelo Mella, cientista político da Universidad de Santiago de Chile, a redação da Constituição terá dois elementos fundamentais. “Em primeiro lugar, deixará para trás uma Constituição ilegítima por sua origem, no contexto da ditadura de Pinochet. Em segundo lugar, o Chile terá uma oportunidade de criar um novo equilíbrio entre as demandas sociais surgidas antes dos protestos de 2019 e uma nova matriz de governança para aprofundar a democracia, além de ampliar os direitos consagrados na Constituição”, disse à reportagem.

Postulantes

Professor de direito constitucional da Universidad de Valparaiso, Jaime Andrés Bassa Mercado, 44 anos, contou ao Correio que decidiu se candidatar à Convenção Constituinte depois de trabalhar, por mais de uma década, na defesa do processo constituinte junto a setores da sociedade civil. “Desde outubro de 2019, participei de uma série de comícios e de assembleias territoriais, cuja finalidade era organizar a cidadania e articular as demandas pela nova Carta Magna. Ela deverá contemplar a desconcentração de poder e a distribuição de riquezas, além da proteção equilibrada dos direitos fundamentais da população.”

Também em Valparaíso, Constanza Florencia Valdés Contreras, 30, postulou-se como única candidata trans. “Pretendo mudar as lógicas da política e lutar contra a exclusão das mulheres trans e feministas na tomada das decisões”, explicou à reportagem. “A nova Constituição deverá ser mais que inclusiva e integradora. Terá que ser uma Carta Magna que avance na reparação histórica dos direitos das pessoas de grupos historicamente discriminados e excluídos.”

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Vozes dos candidatos

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal


“Mudar a Constituição é importante, pois o sistema político está completamente deslegitimado. Ele tem impedido avanços em matéria de direitos sociais e de participação da cidadania. A urgência passa, também, por um modelo político e econômico que perpetua as desigualdades econômicas, políticas e culturais existentes no Chile, as quais provocaram imenso descontentamento social ao longo dos anos.”

Constanza Florencia Valdés Contreras, 30 anos, licenciada em ciências jurídica e sociais, candidata por Valparaíso


“A importância de alterar a Constituição é fundamental, não apenas na mecânica, mas também no campo simbólico. A Constituição atual é o símbolo da violência. Creio ser hora de enfrentarmos o futuro de uma maneira nova, olhando para o passado, mas não nos tornado escravos do passado, em uma Carta Magna formulada em meio à violência.

José Andrés Murillo Urrutia, 46 anos, doutor em filosofia política, candidato por Santiago do Chile

 

 

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