CHILE

Um forte recado à política tradicional

Grande surpresa nas eleições realizadas no último fim de semana, candidatos independentes conquistam cerca de 46% dos votos e vão formar o bloco dominante na convenção que vai redigir a nova Constituição do país

Correio Braziliense
postado em 17/05/2021 20:51
 (crédito: Rodrigo Arangua/AFP)
(crédito: Rodrigo Arangua/AFP)

Na reta final da apuração das eleições do último fim de semana, uma constatação desconcertou a política tradicional do Chile: os candidatos independentes surpreenderam e saíram das urnas com cerca de 46% dos votos. Com isso, vão representar o bloco dominante da Convenção Constituinte que vai redigir a nova Carta Magna do Chile. Uma evidencia, segundo analistas, que os partidos convencionais não souberam canalizar as reivindicações e insatisfações expostas pela população nos últimos tempos.
A derrota aos políticos históricos — de direita e de esquerda — foi vocalizada, logo cedo, pelo presidente chileno, o conservador Sebastián Piñera, quando a contagem chegava aos 90% dos votos. “Nessas eleições, os cidadãos enviaram uma mensagem clara e forte ao governo e também a todas as forças políticas tradicionais: não estamos sintonizando adequadamente com as demandas e os desejos dos cidadãos, e estamos sendo desafiados por novas expressões e por novas lideranças”, afirmou.
As queixas do eleitorado, que resultaram na Constituinte, reencontraram eco em ativistas sociais, professores, escritores, jornalistas ou advogados, entre outros. O menor apoio aos partidos tradicionais, de direita ou esquerda, se traduz em uma ruptura da classe política com os cidadãos, algo que ficou patente nas ruas, mas que agora foi demonstrado nas urnas. “É novamente uma rejeição à classe política”, afirmou Claudia Heiss, diretora do departamento de Ciência Política do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile,.
Dos 155 eleitos como constituintes, pela primeira vez de forma paritária e com a inclusão de 17 cadeiras reservadas para representantes dos povos originários, as duas listas que aglutinam candidatos que vão da centro-esquerda ao Partido Comunista — Lista Apruebo e Apruebo Dignidad — registraram 33,20% dos votos. A lista unificada da direita, Vamos por Chile, recebeu 20,56%, um resultado abaixo do esperado.
O grupo acreditava que teria ao menos um terço dos representantes na Convenção. Ou seja, o segmento político terá um grau de intervenção irrisório nos trabalhos de redação da futura Carta.
Para a aprovação dos artigos da nova Constituição, que substituirá a editada na época da ditadura de Augusto Pinochet, serão necessários os votos de dois terços da Convenção. A decisão foi estabelecida em novembro de 2019, quando quase toda a classe política do Chile aprovou um plebiscito para mudar o texto atual como saída democrática após semanas de protestos, incluindo alguns muito violento.
A direita também sofreu uma dura derrota nas disputas para prefeitos e governadores, que aconteceram de maneira paralela. Em Santiago, a candidata do Partido Comunista, Iraci Hassler, derrotou o atual prefeito, o conservador Felipe Alessandri.
“O Chile começa um novo ciclo, não sabemos quanto vai durar nem a profundidade que vão alcançar as mudanças associadas à instituição da nova Constituição que será escrita”, disse o analista da direita Gonzalo Cordero, em uma coluna no jornal La Tercera.

“Legitimidade”

Para Claudia Heiss, o êxito das candidaturas independentes “dá um caráter muito mais cidadão e com muito mais legitimidade” à nova Carta Magna. “Essa é a voz cidadã fazendo as normas. A classe política fala de ler a cidadania. Nada de saber ler! Essa é a cidadania presente na convenção, não vai ser passada pelos dirigentes políticos tradicionais e isso é algo que os dirigentes políticos não viram que aconteceria, nem a direita nem a centro-esquerda”, disse a analista.
Segundo ela, o resultado é a forma como se transfere “a explosão social ao nível institucional” para atender os pedidos da população, como educação de qualidade ou o pagamento de pensões dignas. “Isso, sim, é mais parecido com o que a mobilização social estava esperando. Parece muito mais com o que aspirava o movimento social do que com o que o sistema político jamais pensou”, completou Claudia Heiss.
Por sua vez, Marcelo Mella, da Universidade de Santiago de Chile, destacou que o resultado não significa que os partidos políticos não terão um papel importante na redação da nova Constituição. “O sistema de partidos tem terremotos que passam. Se Pinochet não o exterminou, acho que não vai acontecer agora”, declarou à agência de notícias France-Presse (AFP).
Outra evidência da insatisfação do eleitorado está no comparecimento às urnas, que ficou em 43,3% de eleitores, menos do que os 51% que votaram no referendo de 25 de outubro do ano passado, quando a pandemia da covid já atormentava. De acordo com os dados do Serviço Eleitoral (Servel), na dupla jornada eleitoral inédita (para evitar aglomerações), 6.458.760 pessoas votaram, de uma lista de 14.900.190 eleitores, o que dá uma participação de 43,35%.

“Essa é a voz cidadã fazendo as normas. A classe política fala de ler a cidadania. Nada de saber ler”
Claudia Heiss, diretora do departamento de Ciência Política do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile

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