A vida começa a voltar ao normal nas ruas da Cidade de Gaza, e declarações do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sugerem a esperança de que a calmaria seja duradoura. O norte-americano defendeu uma solução baseada em dois Estados (Israel e Palestina) para o conflito no Oriente Médio. Ao receber o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, na Casa Branca, Biden também se comprometeu a organizar uma ajuda internacional para “reconstruir a Faixa de Gaza” e instou o governo de Israel a parar com as “lutas entre as comunidades”. Perguntado por um jornalista se a pressão sobre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, para suspender a ofensiva militar contra o movimento fundamentalista islâmico Hamas representou uma guinada da política dos EUA sobre o Oriente Médio, Biden respondeu: “Há uma mudança; precisamos de uma solução baseada em dois Estados”. “É a única resposta.”
Ontem, no primeiro dia de cessar-fogo na Cidade de Gaza, o médico Hazem Abu Motoh, 48 anos, aproveitou para visitar Atta Darwish, seu professor na época da faculdade. “Fomos ao mercado Abu Dalal, comemos doces e tâmaras. Nós rimos tanto. Graças a Deus, a guerra acabou”, disse Hazem ao Correio. “Hoje (ontem), comemoramos o Eid Al-Fitr (fim do jejum do Ramadã) com atraso. Vimos crianças lindas e felizes, com roupas novas. Não há mais o som de ambulâncias ou de bombas caindo”, relatou. A 1km da fronteira com Israel, Youssef Ibrahim Haboub, 42, a mulher e os oito filhos voltaram para casa, depois de 12 dias abrigados em uma escola da UNRWA — agência da ONU para ajuda aos refugiados palestinos. “Tudo o que fizemos foi ajeitar o nosso lar, tentar deixá-lo como era”, contou. A tensa calma em Gaza contrastava com novos distúrbios na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém Oriental, um dos focos dos 11 dias de hostilidades entre Israel e o Hamas.
Depois da tradicional oração muçulmana de sexta-feira, palestinos e policiais israelenses voltaram a entrar em confronto. Os agentes foram alvos de projéteis e responderam com bombas de gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral nos arredores da Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado para o islã. No último dia 7, distúrbios similares no local deixaram 330 palestinos feridos. Na ocasião, o movimento fundamentalista islâmico Hamas avisou que, caso os policiais de Israel não deixassem o local, haveria retaliação. Com o vencimento do prazo dado pela facção, foguetes começaram a atingir o sul do território israelense, e Israel revidou. Outros incidentes ocorreram em bairros de Jerusalém Oriental e na passagem de fronteira de Qalandiya entre Jerusalém e a Cisjordânia ocupada.
Em 11 dias de hostilidades, 243 palestinos, incluindo 66 crianças, e 12 israelenses morreram. O Hamas disparou 4.360 foguetes contra o sul de Israel e Tel Aviv. Por sua vez, a aviação israelense bombardeou 1.500 alvos em Gaza. Ontem, em pronunciamento à nação, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que o país não iniciou o conflito. “Fomos atacados de forma não provocada pela organização terrorista Hamas, que disparou 4 mil mísseis contra nossa capital e contra nossas cidades. Nenhum país ficaria de braços cruzados quando atacado de forma tão criminosa. Israel não é diferente”, afirmou.
O premiê acusou o Hamas de se esconder entre civis “em um dos lugares mais densamente povoados do planeta” e de utilizar moradores como escudos humanos. “Alcançamos os objetivos, é um êxito excepcional”, assegurou, ao anunciar que “mais de 200 terroristas, incluindo 25 com patente” foram mortos durante a ofensiva. Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, avisou que a luta contra Israel prosseguirá até que ocorra a “libertação da Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental”. “Desferimos um golpe duro e doloroso que deixará marcas profundas na entidade israelense. A derrota de Israel na guerra de Gaza terá grandes consequências para o seu futuro”, prometeu. Haniyeh agradeceu ao Egito, que atua como mediador, “por seu papel político e diplomático” e ao Irã, “que forneceu financiamento e armas ao movimento”.
Itamaraty
A causa palestina foi abordada, ontem, em almoço oferecido pelo chanceler brasileiro, Carlos Alberto Franco França, a embaixadores e encarregados de negócios de nove países da Liga Árabe, no Palácio do Itamaraty. “Foi um encontro muito frutífero e uma conversa muito franca. Acho que essa reunião abre uma nova página nas relações entre o Brasil e as nações árabes, com base em nossos interesses e na disposição de trabalharmos juntos, dentro dos princípios do respeito e do direito internacional”, afirmou ao Correio Ibrahim Alzeben, embaixador palestino e decano do Conselho de Embaixadores dos Países Árabes em Brasília.
Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que o governo brasileiro recebeu com “esperança” o anúncio do cessar-fogo e manifesta confiança que as partes envolvidas se engajem na implementação dos compromissos firmados. “O Brasil reafirma sua disposição de contribuir para a estabilidade regional.”
Ainda segundo a nota, “o ministro Carlos França reuniu-se com representantes de países árabes acreditados em Brasília, quando ouviu as preocupações de tais países com as consequências humanitárias, econômicas e políticas advindas do conflito”. “Na ocasião, transmitiu apelo em favor da desescalada de ânimos e, em relação a Jerusaléme reiterou o apoio brasileiro a ações capazes de evitar o exacerbamento das tensões.”
Nós rimos tanto. Graças a Deus, a guerra acabou”
Hazem Abu Motoh, 48 anos, médico palestino, morador da Faixa de Gaza, sobre o encontro com o professor e amigo Atta Darwish
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