Cajamarca é antiga cidade inca em que Francisco Pizarro, conquistador espanhol, capturou e executou Atahualpa, dando fim ao Império Inca. Hoje, Cajamarca é uma cidade média com rica história preservada e um departamento peruano conhecido pela produção de ouro. É dali que veio a nova sensação da política do país: Pedro Castillo.
Professor de escola pública sem passagem por cargos eletivos, Castillo tornou-se conhecido ao liderar uma greve de professores, em 2017. Num país em que a política foi destroçada, e os partidos políticos são cartórios que mudam de nome e não cansam de se autodestruir, foi para o segundo turno das eleições presidenciais com a filha de um ex-presidente preso por crimes contra a humanidade.
No dia 30, Keiko Fujimori e Castillo realizarão o último debate da eleição. Ocorrerá no sul do país, em Arequipa. E a ideia é encontrar um terreno neutro. Nem na região norte de Castillo, nem na região central em que fica a capital Lima, onde Fujimori tem mais apoio. Quando as duas equipes chegaram em Arequipa viram que isso não é tão simples em um país de política tão conturbada.
Fujimori tem muito apoio no norte, fora de Cajamarca e Castillo tem vantagem justamente no sul. Em Arequipa, a sugestão era de se realizar o debate no Palácio de Belas Artes, que leva o nome do mais renomado escritor peruano contemporâneo, o ainda vivo Mario Vargas Llosa. Filho mais ilustre de Arequipa, em 1990, Llosa foi candidato derrotado à Presidência pelo pai de Keiko, o então desconhecido Alberto Fujimori.
Na campanha, Llosa liderou um time superantenado com o que havia de mais influente no Banco Mundial, no FMI, e nas principais agências dos EUA que se dedicam a pensar o mundo. Sua vitória em 1990 teria sido a vitrine de boutique do que, no ano anterior, o professor John Williamson — que deu aulas na PUC do Rio de Janeiro e veio a falecer no mês passado — batizara de Consenso de Washington. Todavia, Llosa perdeu. Fujimori, que foi alçado do nada, tornou-se um presidente em busca de uma ideia do que fazer de seu governo. Arranjou-se bem com muitos apoiadores de Llosa que queriam entrar para a Casa de Pizarro, o palácio do governo do Peru.
Passado um ano e pouco colocando o plano de Llosa em prática e recebendo elogios, Fujimori deu um autogolpe. Dali para frente se segurou no cargo até 2000, quando saiu fugido do Peru para o Japão. Desde 2010, Fujimori cumpre pena no Peru.
Llosa passou todos esses anos lamentando como Fujimori e sua família trabalham para destruir a institucionalidade no país. Depois de criticar Keiko das formas mais veementes possíveis anos a fio, Llosa pede votos para ela em nome de um medo maior do desconhecido Pedro Castillo.
A atitude de Llosa compõe o retrato das atitudes mais básicas que maltratam e destratam a política e a vida civil no Peru. É muita influência exercida por pessoas que não fizeram do Peru o principal local de suas vidas. É um local de extração. Para Llosa — que mora em Madri, por conta de exílios e afinidades eletivas —, extração de histórias muito bem escritas. Para outros, é local de extrações mais próximas da vivência de pessoas como Pedro Castillo. Isso faz com que o governo viva em ondas vãs de autoritarismo, exílio e populismo. Abismo atrai abismo, não tem como dar certo desse jeito.
O Peru é um dos países em que o coronavírus, por si só, aumentou a chance de conflitos. Junto ao maltrato histórico da vida política e civil, a crise do coronavírus colocou um professor camponês de Cajamarca na porta da Casa de Pizarro, lado a lado com a herdeira de Fujimori. Contudo, não se trata de revolução. O maior risco de Castillo é decepcionar seus eleitores por conta de sua inexperiência. Por parte da nova Fujimori, a decepção é tentar voltar às experiências ilegais e autoritárias dos anos 1990. São três décadas da alternância entre antipolítica autoritária, tecnocratismo e populismo.
O debate do dia 30 foi transferido para o salão Simón Bolívar da Universidade de Arequipa. Os chavões dominam as duas campanhas. Wil-liamson alertava na conferência original de 1989 em torno do tal Consenso de Washington — na qual participou Pedro Pablo Kuczynski, o mais recente presidente peruano eleito por currículo — que “Washington nem sempre pratica o que prega [... o que] machuca os EUA bem como o resto do mundo”.
Que o povo peruano escolha livremente o governo e que venha aí o mais bem-sucedido possível. E, se tiver discernimento, pense bem em mudar o nome do palácio. Imagine, no Brasil, o Palácio do Planalto ter o nome de quem dizimou nossos índios.
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