Ataques

Templo dos livros é reduzido a escombros em Gaza

Em Gaza, a literatura continua sendo um mercado minoritário. As tiragens locais são de cerca de mil exemplares apenas

Correio Braziliense
postado em 23/05/2021 18:30
 (crédito: EMMANUEL DUNAND / AFP)
(crédito: EMMANUEL DUNAND / AFP)

Ela era o templo dos livros na Faixa de Gaza, o lugar onde os estudantes podiam encontrar um manual escolar; os mais fiéis, o Alcorão; e os mais intelectuais, traduções de Dostoyevski para o árabe.

Mas na última terça-feira, a livraria Al-Mansur desapareceu. Por volta das 5h, Samir al-Mansur, seu proprietário, estava em casa e acompanhava os canais de notícias árabes, quando soube que o Exército israelense havia emitido um aviso de que iria destruir a propriedade.

O livreiro e editor de Gaza - território palestino mais conhecido no exterior por suas guerras do que por suas livrarias e literatura - correu para o local. Ao chegar, Samir descobriu que o bombardeio israelense havia reduzido a escombros o que ele levou a vida inteira para construir.

Aos 14 anos, no início dos anos 1980, Samir começou a trabalhar com o pai na livraria, cuja direção assumiu posteriormente, montando também uma editora em 2000. "Quarenta anos da minha vida se desfizeram em uma fração de segundo", disse à AFP, caminhando entre blocos de concreto intercalados com pedaços de papel e cadeiras de plástico amassadas.

O Exército israelense afirma ter atacado a infraestrutura e casas dos comandantes do movimento islâmico durante sua intensa campanha de bombardeios.

'Ataque contra a cultura' 

Mas Samir diz: “Não tenho nada a ver com grupo armado, com facção política, é um ataque à cultura. Já passei por duas intifadas e três guerras em Gaza, mas a livraria nunca havia sido destruída."

Seu genro, Montasser Saleh, que veio da Noruega para Gaza pouco antes da escalada do conflito, estava com Samir quando tudo aconteceu. "Estávamos em casa. Na rede Al-Jazeera Mubasher, informaram sobre um disparo de advertência contra o prédio onde ficava a livraria. Corremos até lá. Samir queria procurar papéis, seu computador, mas fiquei com medo de entrar, com medo de ser atingido por um míssil. Ficamos do lado de fora", contou.

“Com a destruição da Al-Mansur, Gaza perde uma de suas principais fontes culturais”, estimou Mosab Abu Toha, poeta e fundador da Biblioteca Edward Said, criada após a guerra de Gaza em 2014.

Em Gaza, a literatura continua sendo um mercado minoritário. As tiragens locais são de cerca de mil exemplares, e autores como Ghareeb Askalani ou Yusri al-Ghul, entre outros, eram publicados pela editora de Al-Mansur.

A Al-Iqraa, outra livraria de bairro frequentada por milhares de estudantes universitários, também foi reduzida a pó nesses 11 dias de bombardeios.

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