A pressão sobre o regime do ditador da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, ganhou os céus da União Europeia (UE). Em retaliação ao desvio de um avião da companhia aérea Ryanair, que fazia o voo entre Atenas (Grécia) e Vilnius (Lituânia), os 27 países-membros decidiram fechar o espaço aéreo do bloco às aeronaves procedentes da Bielorrússia. As companhias aéreas europeias também receberam a orientação de evitarem sobrevoar a ex-república soviética. A interceptação do avião da Ryanair, obrigado a pousar na capital bielorrussa, Minsk, e a prisão do jornalista e dissidente Roman Protasevich — um dos 100 passageiros do voo FR4978 — escandalarizam a comunidade internacional. No primeiro dia de uma cúpula em Bruxelas, a UE exibiu a libertação “imediata” de Protasevich, 26 anos. O regime de Lukashenko garantiu ter atuado sob o amparo da lei e prometeu “transparência absoluta”.
Em vídeo divulgado por uma emissora de TV pública de Minsk, Protasevich anunciou que “colabora com as autoridades”. “As pessoas estão se comportando comigo de forma totalmente adequada e em total respeito à lei. Continuo colaborando com os investigadores e comecei a confessar sobre a organização de manifestações maciças”, afirmou ele, que aparentava cansaço e agitava as mãos. Protasevich foi retirado à força do avião da Ryanair, no domingo, e levado pela polícia com a companheira, Sofia Sapega. Passageiros relataram que ele parecia apavorado. A primeira justificativa dada pela Bielorrússia, que mobilizou um caça para escoltar o avião comercial, foi de que existia um alerta de bomba a bordo da aeronave — o que se mostrou falso.
Amigo de Protasevich desde 2011, o também jornalista bielorrusso Franak Viacorka (leia Duas perguntas para) contou ao Correio ter descoberto que o dissidente não se encontra internado. Mais cedo, circulou a informação de que ele teria dado entrada em um hospital com um problema cardíaco. “Graças a Deus, está vivo e com saúde. O senhor Protasevich segue na prisão, sob interrogatório da KGB (o antigo serviço secreto soviético), que tenta forçá-lo a confessar tudo”, disse. “Sob o estresse da detenção, é muito fácil os inquisidores quebrarem e humilharem uma pessoa. Depois de obterem 99% das informações que desejam, terminam por esquecê-la na cadeia. Não sabemos o que os investigadores fizeram para que Protasevich gravasse aquele vídeo.” Na gravação, ele confessava ter ajudado a organizar os protestos multitudinários que sacudiram a capital Minsk no ano passado.
Repressão
Viacorka classificou a Bielorrússia como “a pior ditadura europeia das últimas quatro décadas e advertiu que a repressão na ex-república soviética não tem precedentes”. “O número de detidos passa de 35 mil; 3.500 pessoas foram formalmente processadas; 500 jornalistas sofreram repressão, 30 estão presos e 10 foram mortos. É algo chocante”, lamentou. Segundo ele, a Europa adotou sanções contra o regime de Lukashenko em dezembro passado. “Desde então, não houve reação contundente. Infelizmente, ante a falta de reação, a repressão aumentou. O incidente emvolvendo o avião mudou a situação. Nós esperamos sanções contra indivíduos do regime de Lukashenko, restrições econômicas contra as companhias de petróleo e contra contas pessoais do ditador”, acrescentou. Ele defende uma investigação por parte da Interpol e da Organização da Aviação Civil Internacional. “Os bielorrussos vivem sob um regime terrorista. Se fecharmos os olhos, ele ficará cada vez mais forte.”
Morador de Minsk, Valery Kalinovsky — jornalista da Rádio Free Europe — explicou à reportagem que o desvio do voo da Ryanair que levava Protasevich “foi planejado e organizado pelos serviços secretos de Lukashenko e pelo exército”. “É um passo a mais na imensa campanha de repressão na Bielorrússia, onde, diariamente, ativistas da oposição são conduzidos aos tribunais. Roman era uma das duas figuras de um grupo do Telegram que organizou protestos contra Lukashenko no ano passado. Então, Lukashenko quis detê-lo por vingança e para mostrar aos oponentes que pode pegá-los”, comentou.
Ele defende que a comunidade internacional reforce as sanções contra o regime em várias áreas, como a economia e o isolamento político. “É importante pressionar Moscou para interromper a ajuda da Rússia a Lukashenko. Somente o presidente russo, Vladimir Putin, salvou Lukashenko no ano passado e mantém a ajuda política e financeira ao regime de Minsk”, comentou Kalinovsky.
» Duas perguntas para
Franak Viacorka, jornalista, amigo de Roman Protasevich e conselheiro da líder opositora bielorrussa Svetlana Tikhanovskaia
O que o senhor poderia dizer sobre Roman Protasevich?
Eu conheço o senhor Protasevich desde 2011, quando participava de um protesto silencioso na Bielorrússia. Na ocasião, as pessoas o aplaudiram. Ele é um jornalista, ativista e blogueiro bastante crítico do regime de Alexander Lukashenko. Protasevich não se encaixa na figura de um líder opositor, mas tornou-se um símbolo. Ele é um jovem que obviamente esteve na linha de frente contra o regime, bastante corajoso e criativo. Jamais desistiu, mesmo diante do perigo. Sempre lutou por valores, como a liberdade, os direitos humanos e a democracia.
Qual foi sua reação ao saber que o regime tinha interceptado o avião que levava seu amigo?
Fiquei chocado quando desviaram o avião. Foi um erro de Lukashenko. Ele pagará um preço muito alto por isso, pois violou todas as regras, cruzou todas as linhas vermelhas. Países que não se importavam com a Bielorrússia, agora, vão se opor a Lukashenko, que perderá aliados para sempre. Por saber que seu tempo acabou, Lukashenko comete um erro atrás de outro. Seu fim será muito triste. Ainda espero por negociações, mas creio que a oposição vai maximizar a pressão. (RC)
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