China

Envelhecimento da população leva China a acabar com "política do filho único"

Após censo revelar envelhecimento da população e queda histórica na taxa de natalidade, Partido Comunista Chinês autoriza até três filhos por casal. Especialistas não acreditam que a medida possa reverter tendências que preocupam autoridades

Rodrigo Craveiro
postado em 01/06/2021 06:00
 (crédito: Nicolas Asfouri/AFP)
(crédito: Nicolas Asfouri/AFP)

Em 1979, ao adotar a “política do filho único”, o Partido Comunista Chinês (PCC) incorporou alguns slogans para convencer a população a respeitar a nova legislação. “Tenham menos crianças, criem mais porcos”; “Mais um bebê significa mais um túmulo”; e “Nascimentos descontrolados faz com que lares desabem” eram os lemas mais polêmicos disseminados pela propaganda do governo. Mais de quatro décadas depois e cinco anos após a permissão para que os casais chineses tivessem até dois filhos, o governo do presidente Xi Jinping anunciou que vai autorizar até três filhos por família. Foi uma reação ao recente censo populacional, que indicou forte desaceleração do crescimento demográfico, com uma expressiva queda da taxa de natalidade. “Em resposta ao envelhecimento da população (…), os casais serão autorizados a ter três filhos”, informou a agência estatal de notícias Xinhua.

De acordo com a Xinhua, o próprio Xi comandou a reunião do Birô Político do PCC para debater o fenômeno. As autoridades destacaram que uma resposta proativa ao envelhecimento da população está relacionada ao desenvolvimento da China e ao bem-estar social, além de ajudar a nação a alcançar o “desenvolvimento de alta qualidade da economia” e “salvaguardar a segurança nacional e a estabilidade social”. Durante a reunião, o PCC instou a educação e a orientação a serem fornecidas na promoção do casamento e dos valores familiares entre jovens com idade de casar.

Chefe do Escritório Nacional de Estatísticas, responsável pela realização do censo, Ning Jizhe admitiu à Xinhua que o aumento da parcela de idosos reduzirá a oferta de trabalho, ao mesmo tempo em que ampliará a carga sobre os cuidados das famílias com as pessoas da terceira idade e pressionará a oferta de serviços públicos básicos.

“Definitivamente, o censo divulgado no início de maio indicava, claramente, um iminente infortúnio demográfico. Os chineses de 60 anos ou mais agora representam quase um quinto de toda a população da China. O país precisa de mais filhos para reduzir o ritmo do envelhecimento”, afirmou ao Correio, por e-mail, Yaqiu Wang, especialista em China na organização não governamental Human Rights Watch (HRW).

A pesquisadora não acredita que a decisão supervisionada por Xi possa colocar em risco a densidade populacional chinesa. Yaqiu lembra que o país promulgou a política de dois filhos em 2015. “Desde então, a taxa de natalidade tem caído a cada ano, exceto em 2016. Muitas pessoas não querem um segundo filho, muito menos um terceiro. Nas redes sociais, vários chineses citam o alto custo para a criação de filhos e o agravamento da discriminação de gênero nos locais de trabalho como os principais motivos para não terem mais filhos”, acrescentou. “Pessoalmente, não quero filhos, nem mesmo um”, e é “a mesma coisa entre minhas amigas”, disse à France-Presse uma mulher de 27 anos da província de Zhejiang (leste), que se identificou como Wendy.

Ye Liu, especialista em desenvolvimento internacional pelo King’s College London (em Londres), também aposta que a adoção da “política de três filhos” não incentivará um aumento na taxa de natalidade. “A população chinesa seguirá em queda. O sétimo censo populacional mostrou que a taxa de nascimentos caiu 18% desde 2019. O Relatório sobre Populações das Nações Unidas projetou que a população economicamente ativa da China encolherá 10 pontos percentuais até 2050”, disse ao Correio.

Para Ye, a lógica da “política dos três filhos” é impulsionar a força de trabalho primária entre os chineses de 15 a 64 anos. “O crescimento econômico da China depende de uma mão de obra primária jovem e produtiva. O encolhimento da população trabalhadora certamente terá impacto negativo no crescimento econômico do país e nas ambições de uma superpotência global.”

Por sua vez, Yu Fuxian — especialista da Universidade de Wisconsin-Madison e autor de Big country with an empty nest (Grande país com um ninho vazio) — afirmou à reportagem que a “política dos três filhos” ainda é um tipo de planejamento familiar e de controle populacional que trata a população como um fardo. “O planejamento familiar é uma guerra civil de meio século entre o governo e o povo. (…) A esperança é de que a China entrará em uma nova era de respeito pela vida e de proteção dos direitos humanos, incluindo os direitos reprodutivos dos pais e o direito à vida do feto”.

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Para saber mais

Correções populacionais

No fim da década de 1970, a China atingia o número de 1 bilhão de habitantes — quase o dobro de 1949, quando o Partido Comunista Chinês (PCC) chegou ao poder. Eram 969 milhões em 1979, contra 540 milhões, três décadas antes. Deng Xiaoping, então chefe do Comitê Central do PCC, decidiu responder à explosão demográfica e impôs a “política do filho único”. Ela previa pesadas multas para infratores, ainda que incluísse exceções para as minorias étnicas ou as famílias de camponses, caso o primeiro filho fosse uma menina.

A política de planejamento familiar de Pequim provocou abortos e esterilizações forçadas. Além disso, muitos chineses cresceram sem saber o que é ter um irmão ou irmã, primos, tios e tias. No fim de 2013, o governo cedeu e autorizou casais, cujos dois componentes sejam filhos únicos, a terem dois filhos. A medida não entusiasmou os chineses e, em 2015, somente 1,45 milhões de casais haviam se inscrito para ter o segundo filho.

No ano seguinte, Pequim decidiu permitir que todos os casais tivessem até dois filhos. A taxa de natalidade não decolou. As causas foram várias: na China, os custos da educação são elevados, e os apartamentos, pequenos. Com a evolução do estilo de vida e dos costumes, os chineses têm se casado cada vez mais tarde e se divorciado mais. Em 2020, o número de nascimentos caiu para 12 milhões — o nível mais baixo desde 1961. Ontem, ante a constatação de um rápido envelhecimento da população, o PCC aumentou para três o limite de filhos a cada casal.

 

 

Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

“Não acho que a ‘política de três filhos’ seja prejudicial para a economia chinesa no longo prazo, por causa do envelhecimento da população e da queda na taxa de natalidade. No entanto, pode ser mais difícil para as pessoas em idade fértil, pois muitas delas são filhos únicos. Se um casal tiver três filhos, isso significa que terá que cuidar de quatro pais idosos e de três filhos. Isso pode ser um fardo pesado.”

Yaqiu Wang, pesquisadora sobre China da Human Rights Watch (HRW)

 

“A nova ‘política de três filhos’ sinaliza que a liderança do Partido Comunista Chinês (PCC) está extremamente preocupada com a crise demográfica, em particular, com a previsão de encolhimento da população economicamente ativa para os próximos anos. É uma tentativa de resolver o deficit demográfico.”

Ye Liu, especialista em China pelo King’s College London (em Londres)

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