ISRAEL

Após queda de Netanyahu, especialistas avaliam os rumos de Israel

Depois de 12 anos no poder, líder do partido de direita Likud é destituído pelo Parlamento, em votação apertada. O ex-militar ultranacionalista Naftali Bennett assume o posto de primeiro-ministro

Rodrigo Craveiro
postado em 14/06/2021 06:00
Benjamin Netanyahu cumprimenta o seu sucessor, Naftali Bennett (D), após a sessão histórica no Knesset (Parlamento): o agora ex-premiê promete derrubar o governo de unidade nacional e retomar o comando do país -  (crédito: Emmanuel Dunand/AFP)
Benjamin Netanyahu cumprimenta o seu sucessor, Naftali Bennett (D), após a sessão histórica no Knesset (Parlamento): o agora ex-premiê promete derrubar o governo de unidade nacional e retomar o comando do país - (crédito: Emmanuel Dunand/AFP)

Israel tem um novo primeiro-ministro. Às 20h55 (14h55 em Brasília) de ontem, o destino de Benjamin Netanyahu foi selado pelo Knesset (Parlamento). Um governo de unidade nacional formado pelo centro, pela esquerda e pela direita foi aprovado pelos legisladores por 60 votos a 59 — houve uma abstenção. Os legisladores que votaram contra o novo governo pertencem ao partido Likud, de Netanyahu, e a grupos de extrema-direita e ultraortodoxos. Naftali Bennett, 49 anos, líder do partido Yamina (direita radical), prestou juramento e assumiu o comando do país, colocando fim a 12 anos da era Netanyahu.

Duas horas depois da formação do governo, Bennett conversou por telefone com o presidente dos EUA, Joe Biden. O norte-americano destacou o “compromisso inabalável” com a segurança de Israel e expressou firme intenção em aprofundar a cooperação bilateral. Biden confirmou a disposição de trabalhar em prol da paz, da segurança e da prosperidade para israelenses e palestinos.

Bennett também recebeu os cumprimentos da chanceler alemã, Angela Merkel, e do premiê canadense, Justin Trudeau. Hoje, Netanyahu deverá se reunir com o novo primeiro-ministro para acertar os detalhes da transição.

O novo gabinete é um amálgama de correntes ideológicas antagônicas. Das 26 cadeiras, 10 ficaram com a direita (três delas com a direita nacionalista laica), 11 com partidos do centro e cinco com legendas da esquerda. O centrista Yair Lapid, que sucederá Bennett na chefia de governo, em agosto de 2023, é o novo chanceler. O também centrista Benny Gantz, do partido Azul e Branco, ocupará a pasta da Defesa. Os ministérios do Interior e da Segurança Interna, respectivamente, estarão a cargo de Ayelet Shaked (direita) e de Omer Bar-Lev (esquerda). Pela primeira vez, Israel contará com nove mulheres ministras e com um partido árabe-israelense islâmico na coalizão, o Ra’am. Na Praça Rabin, centro de Tel Aviv, milhares de pessoas festejaram a mudança de governo.

No último pronunciamento como premiê, antes da votação, Netanyahu instou os simpatizantes a manterem a cabeça erguida e prometeu derrubar Bennett. “Vou liderá-los em uma luta diária contra este perigoso governo de esquerda para derrubá-lo. Com a ajuda de Deus, isso ocorrerá muito mais rápido do que vocês pensam”, declarou.

Mudança

Ao discursar no Parlamento, Bennett assegurou que o governo funcionará para o país como um todo e pediu que ninguém tenha medo. “Hoje não é um dia fácil para muitos, mas também não é um dia de luto, é um dia de mudança de regime no marco de uma democracia”, afirmou. Ele enviou um recado ao Irã: disse que não deixará o regime fabricar armas nucleares e que terá liberdade de ação absoluta contra Teerã.

Professor de estudos políticos da Universidade Bar Ilan, em Ramat Gan (a 47km de Tel Aviv), Gerald Steinberg afirmou ao Correio que a tarefa mais importante do governo liderado por Bennett será aprovar o orçamento nacional. “A medida permitirá a expansão da infraestrutura, além do reparo dos serviços sanitários e educacionais. A nova gestão terá que lidar com ameaças à segurança — em primeiro lugar, o programa nuclear do Irã; em segundo, os ataques palestinos com foguetes procedentes de Gaza. Para tanto, precisará da cooperação americana. Se fizerem isso com sucesso, terão legitimidade.”

Steinberg crê que Netanyahu buscará exercer uma oposição “eficiente e combativa”. Ele lembra, no entanto, que o Likud está fragmentado e cansado, com políticos ansiosos por remover Netanyahu. Na opinião do especialista, o ex-premiê será lembrado como um líder bem sucedido na prevenção ao “terror palestino”, no comando de políticas econômicas que resultaram em crescimento sem precedentes e na vacinação em massa da população contra a covid-19. “Nos últimos anos, Netanyahu alienou aliados-chave, tornando o próprio governo disfuncional.”

Para Eytan Gilboa, professor de comunicação política na mesma universidade, o agora ex-premiê terá dificuldades em se opor a qualquer política de Estado. “A menos a curto prazo, não terá votos suficientes para derrubar medidas do governo”, disse. Em relação à votação apertada no Knesset, Gilboa explicou que, no sistema político israelense, o que conta é a maioria, ainda que ínfima. “A direita tentará deslegitimar o novo governo, mas provavelmente fracassará.”

Consultado pelo Correio, Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília, lembrou que “a mudança dramática em Israel ocorreu depois de profunda crise política e de quatro eleições”. “Foi um parto cesáreo”, comparou, ao considerar que o novo governo formado por Bennett e Lapid é fraco. “A natureza da estrutura atual de um governo com duas cabeças e muitos braços não oferecerá soluções radicais. É importante evitar a explosão na Cisjordânia, em Jerusalém e na Faixa de Gaza. Haverá pressão dos colonos e da oposição”, acrescentou Alzeben.

Personagem da notícia

Da tecnologia ao topo do poder

Filho de imigrantes americanos, nascido em 25 de março de 1972, em Haifa (norte), Naftali Bennett se estabeleceu, no começo dos anos 2000, como um dos queridinhos da “nação start-up”. Ele foi dono da empresa de segurança cibernética Cyotta, vendida por US$ 145 milhões em 2005, antes de dar o salto para a política no Likud de Benjamin Netanyahu no ano seguinte. Dois anos depois, Bennett deixou o Likud para liderar o Conselho de Yesha, o principal grupo de defesa de milhares de colonos israelenses na Cisjordânia ocupada.

Em 2012, chocou todo o cenário político israelense ao assumir o controle da formação de extrema direita “Lar Judaico”, que seduziu parte dos colonos com comentários enérgicos. Desde 2013, este militante do “nacionalismo religioso” ocupou cinco pastas ministeriais. Na condição de ministro da Defesa, em 2020, organizou uma grande mobilização das Forças de Defesa de Israel (IDF) para administrar a crise provocada pela pandemia da covid-19. Também prometeu ao Irã fazer um “Vietnã”, caso o país continuasse a se estabelecer militarmente na vizinha Síria.

Bastidores

Despedida emotiva

Assim que o Knesset (Parlamento) decretou o fim do governo liderado pelo Partido Likud, o agora ex-primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu usou suas redes sociais para a despedida. Em uma série de tuítes, “Bibi”, como é conhecido, escreveu: “Esta não é uma noite fácil para milhões de cidadãos israelenses”. “Eu peço a vocês: não esmoreçam. Estaremos de volta, e mais rápido do que pensam.” Netanyahu divulgou um vídeo do momento em que deixou o prédio do Knesset e foi aclamado por apoiadores. Recebeu um cartaz com um coração desenhado e cumprimentou algumas pessoas. Ele publicou foto na qual aparece abraçado com um dos três filhos, Avner. “Te amo, Avner”, escreveu. Também retuitou uma mensagem de outro filho, Yair, a qual estava acompanhada de uma foto mostrando pai e filhos cavalgando. “Como eu te amo e tenho orgulho de você, papai! Um dos maiores líderes da história do povo de Israel”, escreveu o filho. “Obrigado, Yair!”, respondeu o ex-premiê. Teve homenagem também para Erel Segal, jornalista simpatizante da direita que publicou foto cumprimentando Netanyahu com o cotovelo e uma citação de William Shakespeare: “Não tema a grandeza. Alguns nascem grandes, outros alcançam a grandeza e outros têm a grandeza imposta a eles”. “Obrigado, Erel. Leão”, respondeu “Bibi”.

Ceticismo palestino

Enquanto milhares de pessoas saíam às ruas de Tel Aviv para celebrar o fim da era Netanyahu, a 71km dali, na Cidade de Gaza, o clima era de medo e de ceticismo entre os palestinos. “É o começo de outra era obscura. Não veremos o fim da ocupação pelos próximos anos”, desabafou ao Correio o médico Hazem Abu Moloh, 49 anos. “Não há diferença entre Netanyahu e Bennett, que pode ser ainda mais extremista. Este não será um governo capaz de fazer a paz”, lamentou. “Não devemos nos iludir. Os dois são basicamente iguais. Israel não trouxe até nós um Nelson Mandela ou um Mahatma Gandhi como seu novo premiê.” Também moradora de Gaza, Nisreen Alkhatib, 27, pensa parecido. “Um primeiro-ministro assassino saiu e deixou espaço para outro premiê assassino. As pessoas daqui estão ainda muito devastadas e psicologicamente abaladas depois da última agressão israelense”, desabafou ao Correio. “Este ainda será o governo da ocupação, que continuará com a limpeza étnica dos palestinos.” Por sua vez, a trabalhadora humanitária Najla Shawa, 40 anos, disse não ver mudanças radicais. “O novo governo poderá até ser mais rigoroso em relação a Gaza, depois de medidas táticas. Ele deve mudar pequenas coisas, no que diz respeito às nossas vidas diárias, como os bloqueios e as violações cometidas pelos militares.”

Evocação ao Holocausto

Em seu discurso ante o Knesset (Parlamento), Benjamin Netanyahu citou o Holocausto para sugerir que Bennett será incapaz de intensificar a pressão sobre o Irã, acusado de acelerar o programa nuclear. “Em 1944, no auge do Holocausto, (Franklin Delano) Roosevelt (então presidente dos EUA) se recusou a bombardear os trens e as câmaras de gás, o que poderia ter salvado muitos de nosso povo. Hoje, temos uma voz, temos um país e uma força defensiva”, afirmou Netanyahu. “Bennett não tem reputação internacional, integridade, capacidade, conhecimento nem governo para se opor ao acordo nuclear.” Aos 91 anos, Halina Birenbaum, sobrevivente do campo de extermínio de Auschwitz, desqualificou a comparação com o Holocausto. “Estávamos em perigo aqui em Israel, por não termos paz e sem chances de não vivermos sem guerras. No Holocausto, estávamos terrivelmente sozinhos e indefesos diante dos nazistas assassinos. Podemos, e devemos, ser corretos em nossa terra, mas inteligentes nas regras da política”, disse ao Correio a moradora de Herzliya (Israel). Halina afirmou estar “feliz” com a partida de Netanyahu. “Eles (parlamentares) conseguiram o impossível, o milagre. Netanyahu disseminou o ódio contra os árabes, apoiou os assentamentos judaicos. Seu legado foi o de tornar a vida por aqui muito mais difícil.”

 

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