HONG KONG

Polícia prende cinco pessoas de jornal pró-democracia em Hong Kong

Mais de 500 policiais invadem sede do jornal pró-democracia Apple Daily, confiscam computadores e prendem editor-chefe, além do diretor executivo. Repórter vê "supressão das vozes da dissidência", e ativista lamenta fim da liberdade de expressão

Rodrigo Craveiro
postado em 18/06/2021 06:00 / atualizado em 18/06/2021 07:34
 (crédito: Anthony Wallace/AFP)
(crédito: Anthony Wallace/AFP)

A três dias do 20º aniversário de fundação do Apple Daily, o jornal pró-democracia de Hong Kong que ousou desafiar Pequim recebeu uma surpresa indigesta. Mais de 500 policiais invadiram o prédio da editora Next Digital, responsável pela publicação do tabloide, prenderam dois executivos e três jornalistas e confiscaram os computadores de 38 profissionais. Entre os detidos, estão Cheung Kim Hung, CEO e diretor executivo da Next Digital; e o editor-chefe, Ryan Law. A operação foi respaldada pelo Artigo 29 da Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de “conluio com país estrangeiro ou com elementos externos para colocar em perigo a segurança nacional”. Artigos que pediam “sanções” contra Hong Kong e contra as autoridades chinesas teriam motivado a batida policial, transmitida ao vivo pela página do Apple Daily no Facebook.

Em um gesto desafiador, o jornal saiu às ruas, hoje, com uma tiragem histórica de 500 mil exemplares e uma cobertura de oito páginas sobre o incidente. O Apple Daily também enviou uma mensagem aos leitores, ao advertir que “a proteção da liberdade de imprensa em Hong Kong está por um fio”. “Nós prosseguiremos. (…) Embora estejamos enfrentando uma forte repressão à nossa publicação, a equipe do Apple Daily se manterá fiel às nossas obrigações e seguirá em frente, até o fim, para ver a chegada de uma nova aurora”, promete a carta.

Os Estados Unidos exortaram Hong Kong a interromper os ataques aos meios de comunicação, ao alertar que incursões similares mancham a imagem da cidade no cenário internacional. “Fazemos um apelo às autoridades para que parem de atacar a mídia independente e livre”, disse à imprensa o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price. “Os esforços para reprimir a liberdade da mídia e restringir o livre fluxo de informação não apenas prejudicam as instituições democráticas de Hong Kong como também prejudicam sua credibilidade e viabilidade como centro internacional.”

Repórter freelancer do Apple Daily desde 2013, Jeffrey Tam disse ao Correio que a operação de ontem é um ataque ao jornal para o qual trabalho, mas também aos “cidadãos de bom senso” de Hong Kong. “Trata-se de uma supressão de todas as vozes da dissidência, em nome do Estado de direito. Como vimos pela transmissão ao vivo, a polícia não permitiu a presença de nenhuma testemunha durante a chamada ‘busca por evidências’ na sede do jornal”, explicou.

Linha vermelha

Para Tam, a operação contra o Apple Daily representa a morte da liberdade de expressão. “A partir de agora, nós, jornalistas, nunca sabemos onde está a linha vermelha. As autoridades podem nos processar em nome da proteção à segurança nacional, caso fiquem incomodadas com o que escrevemos”, afirmou. Fundador da organização não governamental Hong Kong Liberty e ativista no exílio, Finn Lau acredita que a mensagem-chave da polícia de Hong Kong é de que as liberdades de imprensa e de expressão acabaram. “O jornalismo pode ser acusado de ameaçar a seguraça nacional”, ironizou. Segundo ele, sob a “draconiana” Lei de Segurança Nacional, não existe presunção de inocência. Além das cinco detenções, as autoridades também congelaram bens do Apple Daily avaliados em 18 milhões de dólares de Hong Kong (ou R$ 11,5 milhões). Ativos do bilionário pró-democracia Jimmy Lay, dono do jornal, foram retidos. Jimmy Lai, 73 anos, foi preso no ano passado no âmbito da Lei de Segurança Nacional.

Jeffrey Wasserstrom, autor de Vigil: Hong Kong on the brink (“Vigília: Hong Kong por um fio”), disse que as batidas policiais no Apple Daily são “a última de uma longa série de esforços para restringir o jornalismo independente” na metrópole financeira. O objetivo, segundo ele, é impor limites à liberdade de imprensa em vigor nas cidades da China continental. “Em Hong Kong, se comparados ao continente, ainda há espaço de manobra em muitas esferas. No entanto, o que costumava ser um grande abismo, agora, é uma lacuna estreita”, disse à reportagem. Ele classifica como igualmente “preocupantes” os limites à liberdade de associação, as ameaças à independente judicial e o uso de acusações vagas, além da detenção de pessoas sem direito a fiança. “Tudo isso mostra que a fórmula ‘Um país, dois sistemas’ está morta. Demorou um ano para que o impacto total da Lei de Segurança Nacional se tornasse claro, embora a escrita estivesse na parede desde o começo”, comentou Wasserstrom.

» Eu acho...

“Depois da aplicação da Lei de Segurança Nacional pelas mãos de uma ditadura como o governo de Pequim, nenhum povo racional está seguro. Os jornalistas profissionais estão entre os mais ameaçados, pois temos de falar a verdade e criticar aqueles no poder. Elas (autoridades) continuarão a usar esta lei para calar a boca de todos, embora tenhamos aprendido com a história que inevitavelmente falharão.”
Jeffrey Tam, freelancer do Apple Daily desde 2013, especializado em cobertura política

“A liberdade de expressão não existe mais em Hong Kong. A Lei de Segurança Nacional não produz somente um efeito arrepiante, mas inúmeras ‘linhas vermelhas’, causando autocensura entre os meios de comunicação. Com a grave repressão ao Apple Daily, outros veículos da mídia pró-democracia podem enfrentar o mesmo destino. Talvez a única saída seja estabelecer uma filial internacional.”
Finn Lau, fundador da ONG Hong Kong Liberty e ativista no exílio

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação