ESTADOS UNIDOS

Bispos querem negar comunhão a Biden

Conferência episcopal aprova documento formal sobre a Eucaristia que impediria católicos favoráveis ao aborto, incluindo o presidente, de receberem a hóstia nas missas. Democrata afirma que assunto é "privado". Vaticano se opõe à medida

» RODRIGO CRAVEIRO
postado em 18/06/2021 20:45
 (crédito: Chip Somodevilla/AFP)
(crédito: Chip Somodevilla/AFP)

Sempre que possível, Joe Biden e sua mulher, Jill, participam da missa aos domingos. O democrata costuma manter um rosário dentro do bolso. No último dia 13, o casal surpreendeu os fiéis da Igreja Católica do Sagrado Coração, em Falmouth (Inglaterra), e se uniu à celebração. Primeiro presidente católico dos Estados Unidos em quase seis décadas, Biden poderá ter o direito à comunhão negado pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA. Tudo porque ele tem apoiado o direito ao aborto. Por 168 votos a favor, 55 contra e seis abstenções, os bispos provaram o rascunho de uma declaração formal sobre o significado da Eucaristia. De acordo com o documento, Biden e outras figuras públicos correm o risco de ficarem privados de receber a hóstia durante a missa.
“Isso é um assunto particular e não acho que vai acontecer”, declarou o presidente, ao ser questionado, ontem, por jornalistas. A aprovação da declaração, uma manobra da ala conservadora do episcopado norte-americana, expôs um cisma na Igreja Católica. O Vaticano sinalizou sua oposição ao veto. Em nota, o grupo Catholics for Choice (“Católicos pela Escolha”, pela tradução livre), que defende o direito à interrupção da gravidez se disse “profundamente entristecido” pelo fato de a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA ter optado por seguir em sua “cruzada profana” contra o presidente Biden e outros católicos pró-escolha. “Usar a Eucaristia — o Corpo de Cristo e o ritual unificador central de nossa Igreja — como uma arma de punição é uma traição grotesca e repreensível do poder dos Sacramentos”, afirmou.
Analista da agência Religion News Service e autor de Inside the Vatican: The politics and organization of the Catholic Church (“Por dentro do Vaticano: a política e organização da Igreja Católica”), Thomas Resse afirmou ser evidente que um grande número de bispos norte-americanos está chateado com os políticos católicos pró-aborto e desejam puní-los. “Eles votaram pela redação de um documento que trata da Eucaristia, um capítulo no qual cobrirão dignidade para a comunhão. Um grupo menor, apoiado pelo Vaticano, se opõe a uma rápida ação para negar a comunhão”, disse ao Correio.
De acordo com Reese, como a lei canônica deixa ao bispo local a decisão sobre quem pode ou não receber o sacramento em sua diocese, torna-se difícil prever o impacto do documento dentro dos EUA. “O bispo de Washington, por exemplo, disse que Biden pode receber a comunhão em sua diocese.” O escritor lembrou que, assim como outros cidadãos, os bispos têm o direito de expressar suas opiniões sobre políticas públicas. “As pessoas também têm o direito de ignorá-los ou de discordar eles. Em uma democracia, elas têm voz, mas não uma voz dominante”, acrescentou.
O padre Joseph Fessio — teólogo norte-americano e ex-aluno do papa emérito, Bento XVI — não vê polêmica na decisão da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA. “Qual é o problema com uma declaração sobre comunhão, enquanto muitos bons católicos estão confusos? A votação é apenas para prosseguir com o rascunho de um documento que será amplamente discutido por todos os bispos”, comentou.
Ele também não encontra nenhuma infração na separação entre Igreja e Estado. Pelo contrário, acredita que a decisão respeita absolutamente essa norma, mas ressalta que ela não está contemplada pela Constituição dos Estados Unidos nem pelos documentos de fundação dos Estados Unidos. “O que está nesses textos é que o Estado não deve interferir com a Igreja, nem estabelecer uma Igreja nacional. O que a proposta de fato faria seria permitir que a Igreja deixasse claras as condições para a membresia plena. “Não acho que a Liga Anti-Difamação Judaica permitiria que antissemitas professos publicamente fossem membros em boa posição. Nem que a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor permitiria que racistas fossem integrantes”, comparou.

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“Pesquisas mostram que os católicos, incluindo os republicanos, se opõem ao uso da comunhão como uma arma na luta contra o aborto. Alguns deles argumentam que proibir o aborto é politicamente impossível nos EUA, e que a melhor estratégia é apoiar programas democratas que ajudem mulheres com crianças: atenção à saúde, creche, moradia, emprego e salários melhores. A maioria das mulheres aborta por motivos financeiros. Estudos têm mostrado que abortos diminuem quando um democrata está na Casa Branca, por causa do apoio ao controle de natalidade e a programas de bem-estar.”
Thomas Reese, analista do Religion News Service e autor de Inside the Vatican: The politics and organization of the Catholic Church (“Por dentro do Vaticano: a política e organização da Igreja Católica”)


“Não somente é justo proibir o presidente Biden de comungar, como é algo necessário. Figuras públicas que apoiem e promovam o assassinato de crianças inocentes no útero da mãe não devem ser reconhecidas como católicas em boa posição. Caso contrário, as pessoas legitimamente (e falsamente) concluirão que está tudo bem para os católicos ‘devotos’ apoiarem — e realizarem — abortos. Isso não é covid-19. Nós estamos falando sobre mais crianças asssassinadas a cada ano do que as mortes por covid-19 em 2020.”
Joseph Fessio, padre, teólogo norte-americano e ex-aluno do papa emérito, Bento XVI

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