COLÔMBIA

Um país em convulsão

Protestos contra o governo completam dois meses sem aceno do presidente Iván Duque para atender às amplas demandas dos ativistas. Repressão deixou 62 mortos, 2.481 feridos e 91 desaparecidos. Especialistas avaliam a crise histórica

Rodrigo Craveiro
postado em 26/06/2021 18:58
 (crédito: Joaquin Sarmiento/AFP)
(crédito: Joaquin Sarmiento/AFP)

Bairro de Meléndez, região sul de Cali. Desde 28 de abril passado, a cidade de 2,2 milhões de habitantes tornou-se foco de manifestações de rua e de forte repressão por parte das forças de segurança. Munido de uma câmera, o fotógrafo e ativista Fernando Rodríguez Barreneche registrou jovens desafiando o Esquadrão Móvel Antidistúrbios (Esmad), uma unidade especial da Polícia Nacional da Colômbia, e ostentando cartazes com slogans da resistência. “Faço parte da oposição há muito tempo. Nós, colombianos, temos milhares de razões para desejar uma mudança. O principal motivo da revolta é o desrespeito aos direitos humanos e à vida na Colômbia. Durante anos, o governo tem atacado, de modo delinquente, a população civil”, desabafou ao Correio.

Fernando também apontou problemas econômicos e sanitários, além da falta de desenvolvimento, como responsáveis pela violação do direito à vida. “Queremos garantias para a negociação. Que haja saúde, trabalho e segurança para todos. São demandas mínimas e básicas contempladas pela Constituição de 1991, as quais não têm sido cumpridas. O diálogo e a paz nunca interessaram ao governo Duque. O que ele deseja é colocar os civis uns contra os outros e os militares contra os cidadãos”, afirmou. De acordo com ele, a repressão policial é uma “asquerosidade”, “um genocídio”. “Os policiais têm atacado médicos, jornalistas, civis. Todos aqueles que protestam no país são um objetivo militar. Pessoas desapareceram, foram assassinadas. Os feridos evitam buscar os hospitais com receio de serem presos.”

Motivados pela reforma tributária proposta pelo Executivo, os protestos ganharam intensidade e se transformaram em atos de rebeldia contra o governo do presidente Iván Duque. Em dois meses de convulsão social, 62 pessoas foram mortas e 2.481 ficaram feridas, segundo a Procuradoria. Até o fechamento desta edição, 91 colombianos seguiram desaparecidos. Os confrontos se espalharam pelo país, o que levou Duque a determinar a militarização de Cali e de outras cidades. No último dia 15, o Comitê Nacional de Greve anuncia a suspensão das mobilizações até 20 de julho. No entanto, outros setores inconformados mantêm os bloqueios.

Diretor para as Américas da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), José Miguel Vivanco admitiu ao Correio que, desde o início da greve no país, a Polícia Nacional da Colômbia “cometeu gravíssimas violações dos direitos humanos”. “Elas incluem mais de 20 homicídios, centenas de detenções arbitrárias e casos de violência sexual contra manifestantes. Centenas deles ficaram feridos; alguns deles perderam completamente a visão devido ao uso inapropriado por parte de fuzis ‘menos leves’”, declarou. Para ele, a resposta de Iván Duque não tem estado à altura da gravidade dessas violações. “O presidente não condenou, de forma inequívoca, os abusos policiais, e demorou muitos dias para transmitir publicamente, que supostamente, agiria com ‘zero tolerância’ ante essas violações.”

Violações

Mauricio Archila Neira, historiador e professor titular da Universidad Nacional de Colombia, assegurou que não existe nenhuma intenção do governo de negociar as demandas. “Pelo contrário, o Executivo tenta ignorar o comitê de greve e fragmentar o protesto”, disse. “É claro que há elementos para acusar o governo Duque de violação dos direitos humanos. Na mesma linha, vão os relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que esteve recentemente na Colômbia, e a HRW.”

Por sua vez, Magda Catalina Jiménez — professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá) — explicou que a repressão das forças de segurança ganhou em sofisticação, ante vários enfrentamentos em alguns locais da capital e de outros pontos do país. “Vejo os últimos focos de resistência do movimento grevista, que dura mais de um mês e perdeu um pouco a notariedade. No entanto, ainda mantém o controle de movimentos sociais. As demandas atuais não se referem mais à reforma tributária. Elas se disseminaram bastante, desde elementos territoriais onde estão os pontos de resistência até temas como saúde pública, interação com o modelo econômico, direitos da população LGBTQIA+, pobreza e violência”, avaliou.

"Nós, colombianos, temos milhares de razões para desejar uma mudança. (…) Durante anos, o governo tem atacado, de modo delinquente, a população civil”
Fernando Rodríguez Barreneche, fotógrafo e ativista da oposição no bairro de Meléndez, em Cali

Eu acho...


“É urgente que o governo colombiano tome medidas urgentes para diminuir a violência e proteger e respeitar os direitos humanos, tais como suspender o uso de armas que foram utilizadas de forma perigosa e adotar uma reforma policial séria, capaz de prevenir abusos. Caso não se adotem medidas decisivas, é altamente provável que tais fatos voltem a ocorrer na Colômbia.”

José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da organização não governamental Human Rights Watch (HRW)


“Mais de 60 manifestantes já morreram, e a repressão continua. O Comitê Nacional de Greve decidiu transformar o protesto numa série de encontros nacionais e regionais. No entanto, alguns jovens seguem nas barricadas. As demandas seguem as mesmas desde a decretação do estado de emergência, um ano atrás.”

Mauricio Archila Neira, historiador e professor titular da Universidad Nacional de Colombia


“Há elementos suficientes para responsabilizar o governo de Iván Duque. As travas que colocou deixaram o tema dos direitos humanos muito desprestigiados. A Colômbia tem um problema sistemático de violação dos direitos humanos. A morte de líderes sociais, antes da pandemia, em 2019, também acelerou um chamado à atenção de parte dos organismos internacionais sobre essas violações.”
Magda Catalina Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá)


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