Decisões em pauta para o Mercosul
Caiu justamente no semestre que se anuncia como o mais difícil — até aqui — para o governo Bolsonaro a vez do Brasil na presidência rotativa do Mercosul. E, como problemas e dificuldades têm o hábito de andar de braços dados, será um período de definições cruciais para o futuro do bloco. Em um cenário no qual diferenças entre os dois principais sócios quanto à condução dos negócios comuns evoluem na direção de fraturas expostas.
Foi esse o tom presente, com clareza até inusual, nas intervenções dos governantes durante a reunião de cúpula da última quinta-feira. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, passou o bastão para o colega brasileiro com um recado central: é contra a abertura para que os países-membros negociem e fechem acordos comerciais em separado com terceiros países ou com outros blocos.
Vai ou racha
Fernández, cuja eleição marcou o retorno do nacionalismo peronista à Casa Rosada, respondia mais diretamente ao Uruguai, que pressiona há mais de década por regras mais flexíveis. Pela própria estrutura produtiva, o menor dos sócios do Mercosul tem quase nada a perder com o ingresso favorecido de bens industriais no bloco, ao contrário dos “dois grandes”.
Foi a entrada de Bolsonaro em campo que alterou a dinâmica do jogo. O presidente brasileiro, assim como seu ministro da Economia, Paulo Guedes — o “posto Ipiranga” para assuntos econômicos —, é entusiasta de primeira hora de “escancarar” o Mercosul. Conta, de saída, com a simpatia também do Paraguai, o que deixa a Argentina solitária, em princípio. A questão que se coloca, portanto, nesse semestre de presidência brasileira, é quanto ao tamanho do apetite e da disposição do Planalto e do Itamaraty para levar a disputa às últimas consequências. A equação a resolver tem como incógnita o coeficiente de tolerância do bloco às tensões internas.
Transatlântico
Não são novas as críticas e queixas de setores políticos e econômicos do Brasil ao Mercosul e às iniciativas de integração sul-americana em geral. O ex-governador e ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhães, adversário notório, tinha um trocadilho impublicável — mesmo em tempos de vocabulário “flexibilizado” por Bolsonaro — para se referir ao bloco.
O que há de novo e concreto é um momento particularmente delicado para que se desfilem em praça pública as desvenças e se potencializem as fragilidades da nau sul-americana. Segue a tramitação do acordo firmado em 2019 entre o Mercosul e a União Europeia. Trata-se não apenas do movimento mais ousado na história de três décadas do bloco de cá: uma vez ratificado o texto por todas as partes, se criará a maior área de livre comércio do mundo.
Com o Planalto imerso na batalha da CPI e o presidente de olho no cenário preocupante das pesquisas eleitorais, a travessia transatlântica para a parceria com a União Europeia será pilotada em boa parte da sala de comando do Itamaraty. Terminou se apresentando como o desafio de relevo no caminho do chanceler Carlos França, que chegou, em meio à tormenta da covid-19, para recuperar a imagem da diplomacia brasileira após a passagem conturbada do “olavista” Ernesto Araújo.
Quem desdenha...
Sobra verve, entre os setores contrários à estratégia de inserção global do país pela via da liderança regional, para menosprezar o Mercosul ou mesmo defender — ao microfone — a dissolução do bloco. Mas é diferente a percepção de uma fatia representável do PIB, em especial na indústria.
Eternamente às turras em torno de uma pilha de questões pontuais, como tarifas e cotas, industriais brasileiros e argentinos afinam o portunhol para fazer coro ou jogral no atacado das relações comerciais. Sabem que apenas jogando em equipe terão alguma chance de sobreviver no mercado oferecido pela vizinhança, ou de se manter à tona nas marés cruzadas do Atlântico e do Pacífico.
Jogo cruzado
As condições extraordinárias da pandemia, inclusive pela atenção e pelas energias que a crise sanitária requer das autoridades, em escala global, foi fator decisivo no andamento dos trâmites para a ratificação do acordo UE-Mercosul. Mas se interpuseram outros elementos que, mesmo passados temporariamente a segundo plano, continuam e continuarão a influir no tabuleiro.
Desde logo, o peso crescente do lobby ambiental na Europa sinaliza dificuldades adiante. E, nesse terreno, o atrito se dá fundamentalmente com o Brasil e com o governo Bolsonaro. Com 2022 no horizonte próximo, e, com ele, a eleição presidencial, se estabelece nessa frente uma variável. Os ruídos de comunicação entre o Planalto e a Casa Rosada colocam outra interrogação: para que o processo volte a estagnar, basta que a ratificação do acordo fique obstruída no parlamento de um único país — aqui ou na Europa.
A longa história das negociações comerciais nessa rota do Atlântico ensina que, de um lado e outro, interesses cruzados se encontram, ora para acelerar, ora para retardar o avanço. Em linhas gerais, jogam para a frente a indústria europeia e o agro sul-americano: ambos têm, basicamente, o mercado da contraparte a ganhar. Agricultores europeus e industriais daqui imaginam as naus aportando e se fecham na retranca.
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