ESTADOS UNIDOS

Cúpula militar temeu golpe de Trump após eleições de novembro, revela livro

General Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, e assessores planejavam renúncia coletiva para impedir republicano de abolir a Constituição, revela obra de jornalistas do The Washington Post. Magnata chegou a ser comparado a Adolf Hitler

Rodrigo Craveiro
postado em 16/07/2021 06:00
 (crédito: Joseph Prezioso / AFP)
(crédito: Joseph Prezioso / AFP)

O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, temia que o presidente Donald Trump desse um golpe após as eleições de novembro. Existia a percepção de que o republicano pudesse abolir a Constituição, a fim de se manter no poder. Tanto que a cúpula militar de Washington levantou a possibilidade de uma renúncia coletiva, uma forma de ignorar as ordens do magnata. “Eles podem tentar, mas não terão sucesso nem f...”, disse Milley a seus assessores. “Você não pode fazer isso sem os militares. Você não pode fazer isso sem a CIA ou o FBI. Somos os caras com as armas”, acrescentou. As revelações fazem parte do livro intitulado I alone can fix it: Donald J. Trump’s Catastrophic Final Year (“Só eu posso consertar isso: o final catastrófico de Donald J. Trump”), de autoria de Carol Leonnig e Philip Rucker, repórteres do jornal The Washington Post e ganhadores do Prêmio Pulitzer.

Na obra, Milley chega a comparar a recusa de Trump em aceitar a derrota nas eleições com a tomada do Reichstag pelo líder nazista Adolf Hitler, em 1933. Naquele ano, Hitler aproveitou um incêndio suspeito no Reichstag, sede do Parlamento da Alemanha, para suspender as liberdades civis e reforçar a própria autoridade. “Este é um momento como o Reichstag (...) O evangelho do Führer”, disse Milley a seus assessores do Pentágono, segundo o livro. O general disse a Leonnig e a Rucker que enxergava paralelos entre a retórica de Hitler como vítima e salvador, e as falsas acusações de fraude eleitoral por parte de Trump. Também viu os simpatizantes convocados pelo presidente para marcharem contra as eleições como se fossem os “camisas marrons nas ruas” — a violenta milícia de Hitler.

Trump reagiu com um longo comunicado à imprensa, publicado no site Save America (“Salvem a América”). “Apesar da massiva fraude eleitoral e das irregularidades durante as eleições presidenciais de 2020 (…), eu nunca ameacei, nem falei para ninguém, sobre um golpe de nosso governo. Tão ridículo! Sinto informar-lhes, mas uma eleição é minha forma de ‘golpe’”, afirmou. “Se eu fosse cometer um golpe, uma das últimas pessoas com quem gostaria de fazê-lo é o general Mark Milley. Ele conseguiu seu emprego apenas o porque o general mais bem avaliado do mundo, James Mattis, não o suportava, não tinha respeito por ele e não o recomendava. (…) Costumo agir contra os conselhos das pessoas que não respeito”, acrescentou.

Trump disse que perdeu o respeito por Milley, em 1º de junho de 2020, quando ambos caminharam lado a lado até a Igreja de São João, em meio a protestos deflagrados pela morte de George Floyd, um homem negro asfixiado ao ter o pescoço pressionado pelo joelho de um policial branco. Segundo Trump, a visita simbólica à igreja, situada a poucos metros da Casa Branca, provou-se “totalmente apropriada”. “No dia seguinte, Milley se sufocou como um cachorro na frente das ‘fake news’, quando eles lhe disseram que ele não deveria ter caminhado com o presidente. (…) Ele se desculpou profusamente, fazendo disso uma grande história, em vez de dizer ‘Eu estou orgulhoso por caminhar com e proteger o presidente dos Estados Unidos”, ironizou.

Críticas

“Eu não gosto de golpes!”, ressaltou Trump, que não poupou críticas ao general. “É um melhor político do que um general, tentando obter favores da esquerda radical e dos absolutamente loucos que defendem uma filosofia que destruirá o nosso país”, concluiu o o magnata republicano.
O livro de Carol Leonnig e de Philip Rucker está sobre a mesa do escritório de David J. Rothkopf, autor de Traitor: A history of american betrayal from Benedict Arnold to Donald Trump (“Traidor: Uma história de traição americana de Benedict Arnold a Donald Trump”). Em entrevista ao Correio, Rothkopf, também professor de relações internacionais da Universidade Johns Hopkins, afirmou que autoridades do mais alto nível do governo Trump tinham receio de que presidente pudesse tomar medidas para minar a democracia americana. “Essas medidas variaram desde o envio de tropas para deter manifestantes do movimento Black Lives Matter até a tentativa de colocar em xeque a legitimidade das eleições. Muitas dessas autoridades, especialmente depois da eleição, deram passos para conter Trump, por meio de pressão pública e de críticas.”

Rothkopf acredita que o ex-presidente não conhece o significado de um golpe. “Acho que ele pensava que poderia usar advogados e a opinião pública para controlar a situação e conquistar um resultado satisfatório. Trump sentia que poderia intimidar e persuadir as pessoas pelo caminho. Atacar o Capitolio foi uma forma mais aberta de golpe. Em sua mente, Trump imaginava que líderes duros tinham que se comportar assim”, explicou.

» Eu acho...

“Não vejo Trump com o mesmo tipo de estrutura ideológica de Hitler. Trump é patologicamente interessado em si mesmo. Ele queria aumentar o poder. Foi atraído por outros líderes com personalidades deformadas iguais à sua, como Jair Bolsonaro. Ambos são superficiais, narcisistas e valentões ignorantes. Havia uma química natural entre eles.” David J. Rothkopf, escritor e professor da Universidade Johns Hopkins.

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