Conexão diplomática

Silvio Queiroz
postado em 16/07/2021 22:12


Biden move as peças no “quintal”

Em meio às turbulências internas com a CPI da pandemia, os negócios duvidosos com vacinas e a queda livre do presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas, o governo brasileiro assiste nos últimos dias a uma escalada das tensões políticas no ambiente regional. No cardápio do noticiário, o carro-chefe são as manifestações recentes contra o governo de Cuba. Mas, entre a América do Sul e o Caribe, acumulam-se pontos de tensão com origens e dinâmicas próprias, mas com um ponto em comum: a movimentação de emissários do presidente dos EUA, Joe Biden, ou pronunciamentos de voz própria.
Foi o caso de Cuba, depois dos protestos do último domingo. O titular da Casa Branca foi rápido em expressar solidariedade aos opositores e, na prática, reafirmar a política seguida há 60 anos: sufocar o regime comunista até provocar a sua queda. No limite, a estratégia de Washington inclui o recurso a uma intervenção de caráter humanitário. Essa variante, porém, à parte as implicações diretas no cenário de operações, tem como pressuposto um respaldo regional de difícil construção.

Discreto, ma non troppo

É nesse contexto que vai ganhando contornos mais nítidos, para os observadores, a visita do diretor da CIA, William Burns, a Brasília e Bogotá, no início do mês. Só houve registro dos encontros do emissário de Biden com Bolsonaro e com os ministros da Casa Civil, da Defesa e da Segurança Institucional — todos generais.
Sobre a agenda das discussões, nada de oficial, mas o presidente se encarregou de “soprar” pistas para os correligionários nos encontros habituais às portas do Alvorada. Citou, como de costume, a Venezuela, mas acrescentou outros objetos de atenção: a Argentina, cujo governo peronista destoa na atual configuração do Mercosul; a Bolívia, onde retornou ao poder, nas palavras de Bolsonaro, “o pessoal do Evo Morales”; e o Chile, onde o direitista Sebastián Piñera coleciona derrotas políticas e a oposição de esquerda constrói maioria na Assembleia Constituinte.

Amigo de fé

Se em Brasília o chefe da CIA encontrou um aliado fiel, embora com o sinal amarelo aceso, a escala anterior expõe a preocupação de Washington com aquele que tem sido, neste século, seu porto seguro na América do Sul. A Colômbia tornou-se, nesse período, o principal destinatário de ajuda militar americana fora do Oriente Médio. De início, o aporte se destinava — oficialmente — a combater o narcotrático. Desde o 11 de setembro de 2001, George W. Bush deu nome aos bois: a cooperação com Bogotá, a partir do governo de Álvaro Uribe, tinha como alvo “o terrorismo” — no caso, a guerrilha de esquerda.
A presença de instalações e assessores militares em solo colombiano desdobrou-se em uma espécie de “roque” — tomando emprestada a linguagem do xadrez — diante da ameaça representada pelo socialismo bolivariano na Venezuela de Hugo Chávez. Nos anos em que Lula e Dilma ocuparam o Planalto, Uribe foi o contrapeso para Washington no tabuleiro sul-americano.
As violentas manifestações dos últimos meses contra Iván Duque, aliado de Uribe e afinado com Bolsonaro, não apenas expuseram as fraturas na sociedade colombiana. Soaram, no Departamento de Estado, como aviso para o movimento da gangorra política no terreno que, ao longo do século passado, foi tratado como “o quintal”.

Vai para o trono?

Uma expressão dessa instabilidade se estampa no impasse político quase inverossímil que se desenha no Peru, passados mais de 40 dias desde o segundo turno da eleição presidencial. Como cinco anos atrás, a disputa foi decidida por uma diferença no patamar de 40 mil votos, correspondentes a algo como 0,5% do total, A derrotada, em ambas as votações, foi a direitista Keiko Fujimori, filha e herdeira política do ex-presidente Alberto Fujimori.
A diferença entre 2021 e 2016, infinitamente mais significativa que a verificada na apuração dos votos, é a configuração política. Há cinco anos, Keiko foi derrotada por outro direitista, o empresário Pedro Pablo Kuczynski, que renunciou dois anos depois, envolto em escândalos de corrupção, como todos os antecessores desde o Fujimori pai. Desta vez, a margem mínima favorece Pedro Castillo, professor rural e sindicalista, candidato de um partido que se define como marxista-leninista-mariateguista — referência a José Carlos Mariátegui, que há um século preconizou uma abordagem autóctone para o socialismo.
A semana termina sem fumaça branca na Justiça eleitoral de Lima, que já derrubou seguidos recursos de Keiko para embargar a proclamação formal do resultado. A posse está marcada para 28 de julho, data nacional, que dá nome às praças centrais da maior parte das cidades peruanas. A menos de duas semanas, o país ainda não sabe quem estará no palácio presidencial.

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