Paulo Delgado

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postado em 17/07/2021 21:45

Covid e G20
Em grandes empresas e instituições de saúde e ensino ao redor do mundo ficou comum questionar por que membros dessas comunidades não realizaram testes rotineiros de covid. Mesmo vacinado, para se ter acesso a certos ambientes, somente concordando em testar a possível contaminação. Isso gera situações esdrúxulas como se cobrar testes de pessoas que estão de férias — logo, não estão nem frequentando os ambientes nem mesmo muitas vezes estão na mesma cidade — ou viajando a trabalho, sob ameaça de punição disciplinar.

Varia de empresa para empresa se a consulta vem do RH ou de um comitê formado para gerir a covid. São protocolos a cargo das firmas e outras organizações e se relacionam com diretivas do Estado em níveis variados, a depender do país. No todo, são chateações que salvam vidas.

Há muita discussão sobre um eventual recrudescimento autoritário, mas, mesmo que a tendência esteja aí, a pandemia não é causa. Como o autoritarismo se manifesta tanto em gente que exige proteção quanto em gente que se ofende com proteção, o vírus certamente não é ideológico — ele apenas cutuca e aflora os instintos característicos das pessoas. E mata — felizmente, cada vez menos, por conta da vacinação. As experiências mundiais mostram que a vacina é o melhor remédio, por isso, de imediato, países que mais vacinam têm menos mortes.

Todavia, outras estratégias auxiliam. Além do velho bom senso, a nova tecnologia digital — quando usada com bom senso — está ajudando. Muitas empresas nos EUA, por exemplo, demandam que pessoas ligadas àquela comunidade monitorem sintomas, testes e vacinas da covid por aplicativos. Na China, esse monitoramento através de aplicativos é realizado de forma ubíqua. Para entrar em prédios, transportes públicos, parques, etc. Se o aplicativo der um sinal verde, você pode ir em frente; se der vermelho, é porque algo indica que deve se tratar. O país funciona, mantendo a covid sob controle, desse jeito.

Muitas estratégias baseadas em coleta de dados vêm sendo usadas para combater a covid. A empresa Grandata, da Califórnia, oferece, em parceria com programas da ONU, um monitoramento do movimento das pessoas na América Latina fora de suas casas. O monitoramento é feito a partir do celular dos usuários. Em termos de dados personalizados para covid na região, a prática de uso de tais aplicativos tem sido voluntária quando ocorre — o que é o ideal. Na região, a Argentina, contudo, exigiu o download de um aplicativo para quem visitasse o país antes da vacinação — algo que prenuncia a estipulação de comprovação de imunização para viagens internacionais daqui para frente.

A grande questão da pandemia da covid é, justamente, o fator inter-regional. Atualmente, o mundo, mesmo em lockdown, é todo conectado em relações intersociais. Não é possível resolver a questão em um país sem resolvê-la em todos. O colunista do Financial Times Martin Wolf escreveu dias atrás — com razão — que o ser humano é um “primata tribal, que construiu um mundo que seu tribalismo não consegue gerir”. Ele se equivocou, contanto, ao colocar o grosso da culpa no G20, de quem, segundo ele, se esperava mais. Coitado do G20 — um grupo ad hoc que é a melhor ideia de governança global dos últimos anos, mas que não para de ser boicotado, e cujo poder real é se reunir. Quem tem culpa são os países do G20, a começar dos mais poderosos e, especialmente, seus líderes. Culpa, inclusive, de não dar poder real ao G20 — e à ONU — para resolver problemas da nossa bendita interdependência, como, por exemplo, pandemias.

Exemplo da mentalidade de boicote ao G20 e a princípios de mera civilidade, Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations — o mais prestigioso conselho multiprofissional dedicado a debater a política externa estadunidense — que publica a Foreign Affairs desde 1921 (publicação que começou em 1910, aliás, com o nome de “Jornal do Desenvolvimento Racial”), veio com uma dessas ideias tribais recentemente. Segundo ele, nem ONU, nem G20, nem G7 — bom mesmo seria o velho Concerto da Europa do século 19, remodelado para o século 21.

Mas a Foreign Affairs publica excelentes análises também. Na sua edição atual, traz um interessante artigo escrito por um punhado de epidemiologistas com experiência em pesquisa e política pública, que, basicamente, argumentam que o Sars-CoV-2 veio para ficar. Por isso, protocolos seguirão sendo importantes por algum tempo — e mais vacinas. Os autores apontam que é necessário refazer o sistema internacional para lidar com pandemias. Na situação atual, as variantes vão se espalhar porque não basta que alguns países tenham até mais vacinas do que população — tem que vacinar quem não tem vacina também.

A covid pode servir para acelerar a saída de um mundo sem bom senso.

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