Conexão diplomática

Correio Braziliense
postado em 23/07/2021 21:42

De volta ao núcleo das Nações Unidas

O último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, que tende a ter a reeleição como fator dominante no horizonte político, coincide com um desafio — e uma oportunidade — no cenário imediato para o Itamaraty. O Brasil retorna ao Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas para ocupar uma cadeira de membro não permanente no biênio 2022/2023. A última participação, em 2010/2011, coincidiu também com um período eleitoral: começou com Lula no Planalto e Celso Amorim no Itamaraty; terminou com Dilma Rousseff e Antônio Patriota.
Desta vez, salvo imprevisto, o comando direto da política externa estará com o chanceler Carlos França. Mais do que um desafio pessoal para o diplomata, que chegou recentemente ao cargo de ministro e ao posto de embaixador, será um teste de elaboração estratégica. Antes de tudo, pela reorientação em curso esboçada desde a queda de Dilma, em 2016, e acentuada com a posse de Bolsonaro, em 2019. Também pelos movimentos significativos verificados no mundo nesse intervalo.

Com que roupa?

No centro e à frente de um conjunto de definições a serem tomadas está a de um figurino para a inserção do país na ordem internacional. A opção do presidente por um realinhamento sistemático com os EUA — e por tabela, com Israel — bastou para a primeira metade do mandato, mais ainda nas condições da pandemia. Traduziu-se, mais visivelmente, no ensaio de mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém e no inédito voto contrário, na ONU, à moção aprovada anualmente para condenar o embargo de Washington contra Cuba.
No dia a dia do Conselho de Segurança, e assumindo-se que 2022 seja um ano de maior intensidade, com a pandemia em refluxo, o país será mais exigido. E o será em questões de complexidade crescente, a julgar pela reacomodação entre os governos e outros atores com assento na primeira fila da política global. Conflitos pontuais que tendem a ser analisados no CS servirão para balizar as interações entre EUA, China, Rússia e União Europeia — seja em bases bilaterais, seja em arranjos a dois ou três, seja no contexto multilateral.

Pessoal e intransferível

Uma primeira incógnita diz respeito às bases sobre as quais serão assentadas as relações com Washington, agora sob governo de Joe Biden. Nos primeiros dois anos no Planalto, Bolsonaro fez questão de desfilar como amigo de Donald Trump, a ponto de apoiá-lo ostensivamente na campanha malsucedida à reeleição, em 2020. À troca de presidente e de partido na Casa Branca seguiu-se, por aqui, a passagem de bastão no Itamaraty, com a saída de Ernesto Araújo, “trumpista” entusiástico e ostensivo.

Zona de turbulência

Não por acaso, foi um sintoma colateral do alinhamento pessoal e intransferível com Trump que determinou a troca de guarda no Itamaraty. Araújo caiu depois de ter sido massacrado pela oposição durante uma audiência pública no Senado, tendo como foco a ausência de canal entre o chanceler e a diplomacia chinesa, em momento crítico para a recém-iniciada campanha de vacinação contra a covid.
No ano que vem, ocupando cadeira no Conselho de Segurança, a diplomacia brasileira será chamada repetidamente a tomar posição em assuntos nos quais, possivelmente, Washington e Pequim estarão em lados opostos. Navegar por zona de turbulência, sem sossobrar nem perder o curso, exigirá mais dos que uma bússola para consulta imediata: fará falta um plano de voo claro e consistente.

Círculos concêntricos

Nas duas passagens anteriores pelo CS da ONU, em 2004/2005 e 2010/2011, o Brasil tinha uma estratégia de inserção internacional assentada na construção de círculos concêntricos. No mais imediato, a integração regional, com o tripé Mercosul-Unasul-Celac. Na segunda esfera, o Fórum Ibas, parceria com Índia e África do Sul, identificadas como outras duas democracias de massas e emergentes. No círculo mais externo, o Brics, que acabou por englobar o Ibas e conformar um polo alternativo a EUA e Europa, capaz de potenciar o alcance da diplomacia brasileira na ordem multipolar.
Nos governos Lula e Dilma, projetar a liderança regional latino-americana, amplificada pela articulação no eixo sul-sul, foi o roteiro traçado para colocar o país em postos de relevo, como uma espécie de porta-voz dos países em desenvolvimento. Deu resultados na eleição de brasileiros para a direção da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da agência da ONU para Agricultura e Alimentação (FAO).
Nos dois anos de governo de Michel Temer, os tucanos José Serra e Aloysio Nunes puderam apenas recalibrar pontualmente alguns aspectos da política externa traçada pelo binônio Lula-Amorim — com a participação marcante, embora menos evidente, do assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia.

Livro de cabeceira

Um panorama abrangente e de longo alcance dos cenários para atuação do Brasil na geopolítica global pode ser encontrado em Desafios brasileiros na era dos gigantes. Lançado em 2006, o livro tem como autor o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, um dos principais mentores da política externa durante o período Lula-Amorim. Como secretário-geral, o “número dois” do Itamaraty, Samuel Pinheiro não apenas formulou estratégias, mas influiu na formação de várias turmas de diplomatas que hoje integram os escalões mais altos do ministério.

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