Calor extremo será sete vezes mais comum

Cientistas da Suíça preveem o cenário para até 2050, o que deixaria mais frequentes registros recordes de temperaturas e grandes incêndios

» Paloma Oliveto
postado em 27/07/2021 22:04 / atualizado em 27/07/2021 22:09
 (crédito: Josh Edelson/AFP)
(crédito: Josh Edelson/AFP)

O verão no Hemisfério Norte ainda não chegou à metade, e países como Estados Unidos, Canadá, Índia e China, além do continente europeu, já sofreram quebra dos recordes de temperatura, acompanhadas de incêndios devastadores. As ondas de calor por trás do fenômeno se tornarão muito mais frequentes e são causadas pelo ritmo acelerado das mudanças climáticas, segundo um estudo publicado na revista Nature Communications.
As taxas atuais de aumento da temperatura são registradas a uma velocidade 10 vezes maior, comparadas aos eventos de aquecimento do planeta pré-industrialização. Provavelmente, o ritmo será mantido pelos próximos 20 anos, não importando a rapidez com que a humanidade reduza as emissões de carbono que impulsionam o aquecimento global, alerta o estudo, liderado por Erich Fischer. O cientista climático do Instituto Tecnológico de Zurique (ETH) é um dos autores dos relatórios sobre clima elaborados por painéis de especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) e que servem como base para as discussões nas conferências sobre mudanças climáticas, as COPs.
Analisando os registros climáticos históricos, os pesquisadores do ETH observaram que as temperaturas começaram a subir a uma taxa mais elevada que nas décadas anteriores. “Foi a partir daí que começamos a ver um número repentino de ondas de calor, assim como quebras de recorde de temperatura a velocidades muito altas”, conta Fischer. “Como agora estamos em um período de aquecimento muito rápido, precisamos nos preparar para mais eventos de calor extremo que quebrem os recordes por grandes margens”, destaca.
Segundo o cientista, até agora, a pesquisa sobre como o aquecimento global afetará as ondas de calor tem se concentrado principalmente no quanto as temperaturas aumentaram em comparação a algum período de referência, como o século 19, quando a industrialização deu um salto, e não na rapidez em que isso ocorre. “É claro que a avaliação quantitativa é extremamente importante, e a ciência mostrou, sem dúvida, que um mundo mais quente produzirá mais e mais ondas de calor”, reconhece. “Mas não levar em conta a rapidez com que as temperaturas sobem impede capturar uma parte importante desse quadro”, avalia.
De acordo com Fischer, em um cenário de altas emissões, eventos extremos devem ser sete vezes mais comuns até 2050, e até 21 vezes entre 2051 e 2080. Mesmo se o aquecimento global induzido pelo homem fosse estabilizado por uma mitigação agressiva, a frequência e a intensidade das ondas de calor continuariam maiores que as registradas até agora, embora a quebra de recordes de temperatura seria “notavelmente reduzida”, afirma o estudo.

Esforços

Uma preocupação dos cientistas climáticos é que os esforços para redução das emissões estão em um ritmo mais lento que o necessário para se cumprir as metas do Acordo de Paris. Assinado em 2015, o documento determina que o aumento da temperatura não deve ultrapassar 1,5°C e, se possível, 2°C, os níveis pré-industriais até o fim do século. Porém, um rascunho do documento que vem sendo preparado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) para embasar as próximas COPs estima que o mundo chegará a 2100 3°C mais quente do que o registrado no início do século 18.
Segundo Fischer, a redução das emissões de gases de efeito estufa, caso ocorra, terá impactos importantes mais à frente. “A probabilidade de extremos de calor que quebrem recordes depende do caminho das emissões que nos leva a um determinado nível de aquecimento”, diz. Se houver estabilização da temperatura em 1,5°C, como quer o Acordo de Paris, embora eventos como esse continuem como reflexo da velocidade em que vem ocorrendo o aquecimento, o cientista destaca que novos registros dramáticos se tornariam progressivamente menos frequentes.
“Esse é um daqueles artigos que não poderiam ser mais oportunos devido ao recente evento de calor extremo que quebrou recorde nos Estados Unidos e no Canadá. É quase como se os autores previssem o que estava por vir”, avalia Karsten Haustein, pesquisador do Centro de Serviços Climáticos da Alemanha. “Considere, por exemplo, uma onda de calor extrema que ocorre apenas uma vez a cada século. Teria sido um episódio climático quente e perigoso em qualquer clima. Mas se isso ocorrer em um mundo que aqueceu de 2°C a 3°C durante os últimos 100 anos, isso levará repentinamente a uma onda de calor sem precedentes, que tem o potencial de quebrar recordes antigos em 5°C ou mais”, observa.
Rowan Sutton, pesquisador do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas da Universidade de Reading, no Reino Unido, lembra que acontecimentos recentes, como as inundações na Europa, “destacaram os efeitos devastadores das condições meteorológicas extremas amplificadas pelas mudanças climáticas”. O novo estudo, diz ele, lança “um valioso holofote sobre o alto potencial para extremos de calor que quebram recordes”. “Esse alto potencial é uma consequência da extraordinária taxa de mudança climática: embora possa não parecer rápido para nós, a Terra está se aquecendo a uma taxa sem precedentes na história da civilização humana”, alerta.

“Como agora estamos em um período de aquecimento muito rápido, precisamos nos preparar para mais eventos de calor extremo que quebrem os recordes por grandes margens”

Erich Fischerv, cientista climático do Instituto Tecnológico de Zurique

 

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Recursos do planeta para 2021 duram até amanhã

 (crédito: Carlos Fabal/AFP)
crédito: Carlos Fabal/AFP

Todos os recursos do planeta para 2021 terão sido consumidos pela humanidade amanhã, alerta um comunicado da organização não governamental Global Footprint Network. “A mais de cinco meses para o fim do ano, neste 29 de julho, teremos esgotado o orçamento planetário de recursos biológicos para 2021”, disse a líder da Câmara Municipal de Glasgow, na Escócia, Susan Aitken. “Se precisávamos de um lembrete da emergência climática e ecológica que enfrentamos, o dia da dívida ajuda”, acrescentou a política da cidade escocesa que sediará, em novembro, a conferência sobre o clima COP26.
O índice busca mostrar o crescente consumo de uma população humana em um planeta limitado. Este ano, seria necessário 1,7 Terra para cobrir as necessidades da população mundial de forma sustentável. A data é calculada cruzando a pegada ecológica das atividades humanas e a “biocapacidade” da Terra, ou seja, a capacidade dos ecossistemas de se regenerarem e absorverem resíduos produzidos pelo homem, especialmente o CO2.
A dívida surge quando a pressão humana excede a capacidade de regeneração dos ecossistemas naturais. Segundo a ONG americana, ela cresce nos últimos 50 anos. Em 2020, a data foi adiada em três semanas, até 22 de agosto, devido ao efeito dos confinamentos ligados à pandemia da covid-19. Neste ano, voltamos aos níveis de 2019. A deterioração atual se explica por um aumento de 6,6% da pegada de carbono, assim como por uma redução de 0,5% na biocapacidade das florestas “devido, em grande parte, ao pico do desmatamento na Amazônia”, enfatizou a ONG. “Os dados mostram, claramente, que os planos de recuperação para a era pós-covid-19 poderão ter sucesso apenas no longo prazo se forem baseados na regeneração e na gestão racional dos recursos ecológicos”, afirmou a diretora da entidade, Laurel Hanscom.

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