PERU

Ao tomar posse, Castillo pede nova Constituição

Presidente esquerdista anuncia envio de projeto de lei para mudar a Carta Magna, por meio de referendo popular, e elege o combate à pandemia da covid-19 como prioridade. Reativação da economia e combate à corrupção também estão no topo da agenda

» RODRIGO CRAVEIRO
postado em 28/07/2021 21:13
 (crédito: Karel Navarro/AFP)
(crédito: Karel Navarro/AFP)

A data não poderia ser mais emblemática. No 200º aniversário da Independência do Peru, um professor de uma escola rural, representante das classes mais oprimidas, recebeu a faixa de líder máximo da nação nas cores vermelha e branca e jurou com a mão direita sobre a Bíblia, em Lima. Ao tornar-se o 130º presidente peruano, o esquerdista Pedro Castillo não escondeu a emoção. “Desta vez, um governo do povo chegou para governar com o povo e para o povo. (…) Pela primeira vez, um agricultor será presidente do Peru. (…) O orgulho e a dor do Peru profundo correm por minhas veias”, declarou, em seu discurso de posse, depois de fazer menção ao bicentenário. Com foco na saúde, na economia e na educação, Castillo revelou que encaminhará ao Legislativo um projeto de reforma da Constituição — a Carta Magna foi redigida em 1993 durante o governo de Alberto Fujimori e privilegia o liberalismo econômico. Entre os presentes na cerimônia de posse, estavam o rei da Espanha, Felipe VI; os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Guillermo Lasso (Equador), Sebastián Piñera (Chile) e Iván Duque (Colômbia); e o ex-presidente da Bolívia Evo Morales. O Brasil esteve representado pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão.
“Anuncio que apresentaremos ao Congresso um projeto de lei para reformá-la, que, após ser debatido no Parlamento, esperamos que seja aprovado e, depois, submetido a um referendo popular”, afirmou. “Vamos insistir nessa proposta, mas dentro do marco legal que a Constituição prevê. Teremos que conciliar posições com o Congresso.” O plano de alterar a Carta Magna ganhou status de promessa. “Juro pelo povo do Peru, por um país sem corrupção e por uma nova Constituição”, disse. O líder esquerdista também informou que revisará “toda a legislação sobre corrupção”. “Temos que acabar com a corrupção, mas para isso temos que punir com dureza e rapidez todos aqueles que dela participam.”
A tarefa de reformar a Constituição não deverá ser fácil: Castillo não conta com a maioria parlamentar para impulsionar suas principais propostas de campanha. O Perú Libre, partido pelo qual foi eleito, tem apenas 37 das 370 cadeiras. Em um aceno de mudança, ele revelou que não governará o país a partir da Casa de Pizarro, o palácio presidencial. “Creio que temos que romper com todos os símbolos coloniais. Cederemos este palácio ao novo Ministério das Culturas para que seja usado como um museu que mostre nossa história desde suas origens”, justificou.
Professora de direito constitucional da Pontifícia Universidad Católica do Peru, Milagros Campos Ramos explicou ao Correio que a convocação da Assembleia Constituinte não está prevista na atual Carta Magna. “Castillo propôs a apresentação de um projeto de lei de reforma constitucional para incluir essa possibilidade. A Constituição somente pode ser reformada, total ou parcialmente, em duas legislaturas ordinárias, com mais de 87 votos ou com 66 votos e referendo”, comentou. A especialista não acredita que o tema esteja realmente no topo da agenda. Segundo Milagros, as pesquisas mostram que o interesse da população está na reativação dos empregos, nas melhorias da área da saúde e nas políticas anticorrupção.

Vacinação

“Nossa primeira grande tarefa é continuar a luta contra a covid-19, que tanto tem golpeado o nosso país. Nesta data, não quero deixar de lembrar de tantos peruanos que não mais estão conosco. Honraremos a memória deles assegurando que isso seja uma prioridade”, afirmou Castillo. “A pandemia não acabou. Vamos seguir em frente. Temos que governar em um momento de gravidade em nosso país, mas tenho certeza que vamos alcançar a vacinação (da população). A saúde será uma prioridade”, reforçou. Ele prometeu comprometer todo o aparato do Estado para alcançar a meta de 70% de imunizados até o fim do ano. Por enquanto, 16% dos peruanos finalizaram o ciclo de vacinação com duas doses. O Peru registra 2.104.394 infecções pela covid-19 (ou 6,5% da população) e 195.890 mortes.
No comando de um dos países mais desiguais da América Latina, Castillo pretende implementar uma reativação da economia. Ele reconheceu que, nos últimos 30 anos, o Peru debateu sobre a falência do modelo econômico em vigor desde os anos 1990. “Apesar disso, nenhum governo deu ouvidos ao desconforto da maioria e por isso eles se recusaram a fazer as mudanças desejadas pela população. Mas a pandemia acabou por deixar visível que as críticas (...) ao modelo econômico não eram apenas legítimas, mas também válidas”, avaliou. Ele descartou, porém, estatizar a economia ou impor o controle cambial. “Queremos que a economia mantenha a ordem e a previsibilidade, que estão na base das decisões de investimentos.”

Homenagem em Brasília
A cúpula e o prédio do Senado Federal, no Congresso Nacional, foram palcos de uma homenagem alusiva ao bicentenário da independência do Peru. Entre as 18h e as 22h de ontem, as cores da bandeira peruana e outras imagens que remontam à nação vizinha foram projetadas em um dos monumentos mais icônicos de Brasília. “A Embaixada do Peru no Brasil quis dar o máximo de destaque à sua comemoração pelos 200 anos da independência do Peru. Foram projetados motivos e imagens alusivos ao bicentenário, aos atrativos culturais, turísticos e históricos do Peru. O evento também marcou o bicentenário do Ministério das Relações Exteriores do Peru”, afirmou ao Correio Javier Yépez Verdeguer, embaixador do Peru no Brasil. Para o diplomata, o ato se reveste de grande simbolismo. “Nesta data tão significativa para nós, procuramos sublinhar os históricos laços de amizade entre ambos os povos, e as excelentes relações da embaixada e dos consulados do Peru no Brasil com as autoridades dos Três Poderes do Estado brasileiro”, acrescentou.

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