O Japão tem a população mais longeva do mundo e usa as Olimpíadas de Tóquio para mostrar que está esbanjando saúde e construindo o futuro. Um equilíbrio entre tradição, modernidade e futurismo que não é apenas marketing, mas consistência de um país que trabalha coeso para defender e melhorar sua posição no mundo. Mesmo a rede aparentemente dependente — projetada como caução para entrelaçar pacificamente o Japão ao Atlântico Norte após a Segunda Guerra — mostrou, ao longo do tempo, como caminhar para se tornar soberano. Ou, no mínimo, uma interdependência que assegura as melhores negociações para seu povo como um todo. Não é difícil perceber o interior da alma do modo japonês de ser.
Seu estágio atual na reestruturação das cadeias produtivas mundiais depende muito do uso que o Japão faz de sua moeda — o iene — para sustentar uma economia insustentável sem esse uso inteligente. Parte se projeta na qualidade de infraestrutura e tecnologia, que extravasa para o mundo em exportações de coisas que geram muitos empregos com bons salários. Parte se vê na real qualidade de vida geral do país, que passa por massivos investimentos em saúde e esportes. Ponto chave é que o país é focado na manutenção do pleno emprego. Dos anos 1960 para cá, o desemprego nunca passou de 5,5% e, desde 2017, está abaixo de 3%. Faz isso desbancando algumas teorias que liberais de boutique têm como auto evidentes. Por exemplo, há anos, o Japão é o país que apresenta a maior relação dívida/PIB do planeta, mais de duas vezes e meia o tamanho de sua economia.
Tendo moeda soberana, o Japão deve basicamente a si mesmo e sabe porque e onde se endivida. Nada de salários cem vezes maiores que o salário mínimo para funcionários públicos especiais de farda ou terno. Pode, assim, se endividar consigo mesmo para realizar investimentos em setores que geram muitos empregos com bons salários, mais educação, tecnologia, infraestrutura e esportes.
Não há legado negativo de grandes eventos esportivos em país gerido de forma lúcida, harmônica e com um pragmatismo bem-intencionado. Até em pequenos detalhes, as Olimpíadas de Tóquio vão pavimentando imagens positivas que interessam ao Japão. Chamam atenção os esportes estreantes nesses jogos: surfe, skate, caratê e escalada. No surfe e no skate, é interessante notar que são modalidades que unem Brasil e Japão no mais alto nível de competitividade. Parabéns às prefeituras e empreendedores que investiram na difusão dos dois no Brasil.
No surfe, em que o Brasil ganhou um ouro, metade das medalhas ficou entre esses dois países. Das seis medalhas disputadas até aqui, cinco ficaram entre Japão (3) e Brasil (com 2 pratas), e 10, dos 40 competidores que disputam as demais, seis são brasileiros e quatro japoneses.
Se o surfe e o skate mostram a face jovial de alta competitividade de Brasil e Japão, o caratê nos une culturalmente. A arte marcial — juntamente o judô — é parte do poder brando que o Japão projetou no mundo. Competitivo no judô, infelizmente, no caratê, o Brasil ficou fora em Tóquio.
O caratê estreará daqui a uns dias no Nippon Budokan, construído para a estreia do judô nas Olimpíadas de Tóquio em 1964. Naquela época, o Japão tinha a menor expectativa de vida entre os países do G7. De lá para cá, é uma história de sucesso multifacetado. Parte dela construída, muitas vezes, sendo o parceiro mais efetivo do Brasil no G7 — aquele que ajuda mais que atrapalha e que, realmente, participou de alguns projetos que mudaram o patamar de setores importantes da economia brasileira sem cobrar os olhos da cara.
Mas o Japão passa por uma quadra complicada da sua história em termos demográficos e de manutenção da sustentabilidade. Faz anos que diminuiu o grau do seu engajamento com grandes projetos no Brasil. São intermitências que a união histórica marcada pela imigração japonesa no Brasil e a posterior ida dos decasséguis brasileiros para o Japão sempre darão conta de preencher.
Talvez ocorra com o caratê o que acontece com o beisebol. A modalidade aparece de forma intermitente nos jogos olímpicos, acompanhada pelo softbol como versão feminina. O beisebol é muito praticado da América do Norte ao Caribe. Estádios de beisebol são as principais obras arquitetônicas de muitas cidades nos EUA, enquanto a caribenha Cuba levou três ouros dentre os cinco disputados em olimpíadas até aqui. Em Tóquio, o beisebol voltou porque a outra região do mundo aficionada por beisebol é justamente o Leste Asiático.
É bom que o Brasil e o Japão se encontrem nessas novas coisas que têm em comum, como o gosto pelo surfe e o skate, além do antigo gosto pelas artes marciais pacifistas. São países que se complementam bem e progridem bem juntos.
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