Em julho, Roman Polyakov, gestor de conteúdos da mercearia VkusVill e voluntário do Festival Internacional de Cinema Lésbico e Gay Bok o Bok (“Lado a Lado”, em russo), convidou a amiga Mila Yuma e a família a estamparem o anúncio da empresa, sediada em Moscou. “A proposta era abordar famílias diferentes. Nós aceitamos, porque desejávamos mostrar o nosso amor aos clientes desta loja”, contou ao Correio Mila, 23 anos, que trabalhava como gerente de plataformas educacionais on-line na capital da Rússia
“Foi um anúncio lindo! Primeiro, Roman fez uma reportagem com várias famílias, compostas, inclusive, por crianças e cães. Eu; minha irmã, Alina; e nossa mãe, Yuma, falamos sobre os nossos alimentos favoritos que eram vendidos pela mercearia. Falamos sobre veganismo, sobre escolhermos produtos baseados em um comércio justo e sobre reciclagem.Não era uma peça sobre nossa orientação sexual, mas sobre as preferências de nosso estilo de vida”, acrescentou. A repercussão foi tão negativa que elas se viram obrigadas a abandonar a Rússia e a fugir para a Espanha, na última sexta-feira.
Mãe e filhas são lésbicas. “No anúncio, apenas dissemos que a nossa família é composta por minha mãe, a noiva dela, eu, minha irmã e a namorada, e os filhos de Alina. O perigo foi proporcional à imensa repercussão do anúncio da Vkus Vill. Grupos neonazistas, como o 4040, nos ameaçaram”, relatou. Internautas escreveram que queriam estuprar e assassinar a neta de Yuma.
Mila explicou ao Correio que, na Rússia, uma lei “homofóbica” proíbe qualquer tipo de propaganda LGBTQIAP+, bem como a divulgação de “valores gays”. “As autoridades podem utilizar essa legislação contra mim e minha família. Nós ficamos com receio de nos tirarem a guarda de nossos filhos. Além disso, tivemos muito medo, porque o endereço de nossa casa foi publicado em um site de um grupo neonazista bastante conhecido. Por isso, decidimos fugir, em busca de um lugar seguro para as nossas crianças e a nossa família.”
Mila, a irmã e a mãe preferem não fazer planos para a nova vida na Espanha. “Tudo ocorreu de forma tão inesperada e rápida. Ainda não sabemos o que fazer. É claro que sonhávamos com um abrigo para as crianças. Minha mãe e a noiva pretendem se casar aqui, assim como minha irmã e a namorada. Nós esperamos que isso ocorra na Espanha”, desabafou.
Ao ser questionada sobre o que é ser gay na Rússia, Mila respondeu de imediato. “Significa ser sozinho”, disse. “Em meu país, muitas pessoas queer (termo usado para conceituar alguém fora dos padrões sociais) vivem em solidão, não são aceitas pelos parentes, pelos pais ou pelos amigos. Elas não podem criar uma família. Quando conseguem, o fazem às escondidas”, lamentou. De acordo com ela, os ativistas LGBTQIAP+ russos estão em perigo o tempo todo. “Neonazistas lançaram substâncias químicas contra nós. Fui espancada pela polícia durante um protesto pacífico contra o governo. Sempre pensávamos que um dia precisaríamos fugir para termos segurança”, comentou. (RC)
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