Biden contorna Bolsonaro
Passados os primeiros seis meses na Casa Branca, Joe Biden deixou claro que não tem pressa para tratar diretamente com o colega brasileiro — ao contrário, prefere evitá-lo. O exemplo mais recente desfilou por aqui nos últimos dias: uma delegação chefiada pelo conselheiro do presidente dos EUA para Segurança Nacional, Jake Sullivan, veio discutir temas como mudanças climáticas, segurança regional e tecnologia 5G.
Sullivan e o assessor especial para América Latina, Juan Gonzalez, tinham na agenda encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Carlos França e o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. A pauta do clima, porém, foi tratada principalmente com governadores da Região Norte. Foi também com eles que se sentou à mesa, na virada do mês, o enviado especial da Casa Branca para o tema, John Kerry.
Sullivan, o conselheiro de Biden, é o primeiro funcionário americano de primeiro escalão a se reunir com Bolsonaro. Em nota, o Conselho de Segurança Nacional definiu como objetivo da viagem “fortalecer a parceria estratégica” com o Brasil. O roteiro incluiu visita ao Comando Militar do Leste, onde o ministro da Defesa fez inspeção em unidades capacitadas para missões no exterior e operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Governadores em cena
Se nos acertos estratégicos Biden recorreu a emissários para se dirigir ao Planalto, na frente ambiental se repete um padrão observado no enfrentamento da pandemia. Interlocutores externos constroem pontes diretas com os governadores de Estado, em nome dos resultados. Foi a escolha renovada agora por Kerry e mantida por Jake Sullivan, no interesse de fazer avançar uma bandeira que, por sinal, tem cotação em votos nos EUA (como na Europa): mostrar compromisso com a preservação da Amazônia é um trunfo valioso na hora de enfrentar as urnas.
A diplomacia dos governadores testou sua eficácia desde o ano passado, quando começou a corrida pelas vacinas para a covid-19, então ainda em desenvolvimento. O Butantan, instituição estadual, firmou o primeiro acordo de cooperação para não apenas importar da China a Coronavac, mas para produzi-la. O consórcio de governadores do Nordeste abriu caminho com a Rússia, mas desistiu ontem de continuar esperando a habilitação da Sputnik V.
Na esfera federal, foi a iniciativa da Fiocruz, mais do que um movimento de governo, que possibilitou a parceria na importação e fabricação da AstraZeneca. Em boa parte pela reconhecida capacidade produtiva da Bio-Manguinhos, a vacina de Oxford fechou o balanço de julho como a mais aplicada no Brasil.
Muralha anti-China
Presença mais discreta na comitiva chefiada pelo conselheiro de Segurança Nacional, dois altos funcionários americanos do setor de tecnologia da informação vieram ao Brasil com uma missão simples e clara. O assessor da Casa Branca para Tecnologia e Segurança Nacional, Tarun Chhabra, e o responsável por cibersegurança, Amit Midal, trouxeram o recado de Joe Biden sobre a prioridade dada aos EUA para conter o avanço da múlti chinesa Hwawei na implantação da internet 5G na América Latina.
Não é coincidência a inclusão do tema em uma visita que teve à frente um dos homens fortes do governo Joe Biden. Amazônia, mudanças climáticas, geopolítica regional e rivalidade com a China são os acordes escolhidos em Washington para embasar a harmonia no duo com o Brasil. Da fluidez que se alcance nessa partitura dependerá o ritmo das relações pessoais entre os dois presidentes.
Cipó de aroeira
Sobrou no colo de Biden, aparentemente, a bomba-relógio do retorno da milícia Talibã ao governo do Afeganistão. Assunto remoto, visto do Hemisfério Ocidental — as Américas, na linguagem diplomática dos EUA —, o país invoca no inconsciente coletivo americano um nome e uma data que dispensam apresentação: Osama bin Laden e 11 de setembro. Na consciência da diplomacia profissional, o mapa mostra fronteiras com China, Paquistão e Irã.
Na contagem regressiva para os 20 anos da invasão que tirou do poder a milícia fundamentalista e deu partida para a caçada ao líder terrorista, mentor dos atentados de 2001, os EUA completam a retirada de tropas. E o governo do presidente Ashraf Ghani, um aliado, desmorona — ele e o exército treinado pelos ocupantes.
A finada União Soviética precisou de metade do tempo para entender que não existe para o Afeganistão receituário trazido de fora. O último governo pró-Moscou, abandonado à própria sorte em 1989, sucumbiu em 1992. Bastaram mais quatro anos para que o Talibã emergisse dos campos de refugiados e pusesse fim na guerra civil entre facções rivais da resistência à ocupação soviética.
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