Tráfico

O fim da era dourada do contrabando entre Paquistão e Afeganistão

Durante as duas décadas, os mercados na fronteira com o Paquistão se encheram de 'gadgets' militares, roupas ou produtos de luxo originalmente destinados às bases americanas.

Agência France-Presse
postado em 10/08/2021 09:39 / atualizado em 10/08/2021 09:40
 (crédito: Abdul MAJEED / AFP)
(crédito: Abdul MAJEED / AFP)

Nos mercados especializados na fronteira entre Afeganistão e Paquistão era possível encontrar uniforme e equipamentos militares, de botas a coletes à prova de balas. Mas com a retirada quase completa das forças estrangeiras, as fontes de abastecimento dos contrabandistas estão se esgotando.

Os Estados Unidos e seus aliados da Otan vão concluir a retirada de seus soldados do Afeganistão antes de 31 de agosto, 20 anos após sua intervenção para derrubar o Talibã, que não quis entregar Osama bin Laden após os ataques de 11 de setembro.

Durante as duas décadas, os mercados na fronteira com o Paquistão se encheram de 'gadgets' militares, roupas ou produtos de luxo originalmente destinados às bases americanas, muitas das quais dispunham de todas as comunidades.

Com isso, estes mercados perpetuaram uma longa tradição de contrabando nessa área de fronteira, alimentada por diversas invasões estrangeiras.

Durante séculos, as passagens nas montanhas que separam os dois países protegeram exércitos, contrabandistas e mercadores que circulavam entre o subcontinente e a Ásia Central.

Mas, nos últimos anos, os contrabandistas têm sofrido com a retirada progressiva das forças estrangeiras do Afeganistão e com a construção pelo Paquistão de uma cerca ao longo de sua fronteira porosa de 2.400 km com o Afeganistão.

"Este mercado era conhecido por seus produtos dos Estados Unidos e da Otan, e estava cheio de clientes", explica à AFP Mehboob Khan, comerciante do mercado Sitara, na cidade de Peshawar, noroeste do Paquistão.

"Agora, a fronteira está totalmente fechada e esses produtos não chegam mais, o que afeta terrivelmente o meu negócio", acrescenta.

Ao invés de óculos de visão noturna e coletes táticos dos exércitos ocidentais, os mercados oferecem agora apenas produtos baratos da China ou do Sudeste Asiático.

Carregamentos desaparecidos

No início da invasão liderada por Washington em 2001, o Paquistão era o centro logístico da guerra no Afeganistão.

Milhares de contêineres cheios de material chegavam ao gigantesco porto paquistanês de Karachi, de onde eram carregados em caminhões até a fronteira com o Afeganistão.

E não era incomum um carregamento desaparecer ou chegar ao Afeganistão com menis vários quilos.

O resto do material era simplesmente recuperado dos locais de combate e transportado para as várias passagens de fronteira.

"Antes, o mercado vivia cheio (...) Agora está vazio. Nem público, nem cliente", lamenta Khan.

Graças a sua proximidade com o Afeganistão, o Paquistão tem sido um polo de atração para todos os tipos de mercadorias contrabandeadas, sejam carros de luxo ou eletrodomésticos.

Mas nessas regiões muito conservadoras do noroeste do Paquistão, onde as mulheres usam a burca e os extremistas islâmicos são particularmente influentes, os mercados eram malvistos, já que filmes pornográficos ou viagra falsos também podiam ser encontrados por lá.

A atual ofensiva do Talibã, que conquistou vários distritos rurais desde maio e, nos últimos dias, várias capitais de províncias afegãs, fez com que a fronteira fosse fechada.

Os clientes "não vêm mais", lamenta Zabihullah, nascido em Peshawar, mas de nacionalidade afegã. "Antes, o abastecimento de mercadorias da Otan era contínuo, com a chegada de muitos contêineres. Agora acabou tudo isso".

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