Em um discurso de pouco mais de 20 minutos, no fim da manhã de ontem, o governador de Nova York, Andrew Cuomo, anunciou a renúncia sem assumir ter assediado sexualmente 11 mulheres — em sua maioria, funcionárias ou que trabalharam para o Estado. “Desperdiçar energia com distrações é a última coisa que o governo estadual deveria fazer. E eu não posso ser a causa disso. Dadas as circunstâncias, a melhor forma de ajudar, agora, é me afastar e deixar o governo voltar a governar”, declarou. “Minha renúncia terá efeito dentro de 14 dias.” Cuomo pediu desculpas às três filhas, ao afirmar que “cometeu erros” e assegurou que jamais “desrespeitou intencionalmente” uma mulher.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse respeitar a decisão de Cuomo e descartou efeitos políticos negativos sobre o Partido Democrata. “Acho que o impacto todo está em Andrew Cuomo”, disse. Em 24 de agosto, a vice-governadora Kathy Hochul assumirá o cargo e se tornará a primeira mulher a ocupar o governo. Por meio de uma nota sucinta publicada no Twitter, ela opinou que a renúncia de Cuomo “é a coisa certa a fazer e está no melhor interesse dos nova-iorquinos”. “Como alguém que serviu em todos os níveis de governo e é a próxima da linha sucessória, estou preparada para comandar como a 57ª governadora de Nova York”, escreveu.
Cuomo admitiu que teve conduta imprópria com as assessoras, mas negou os crimes sexuais pelos quais foi citado no relatório assinado pela procuradora-geral de Nova York, Leititia James. “As acusações mais sérias feitas contra mim não tinham base factual crível no relatório. Existe uma diferença entre suposta conduta imprópria e assédio sexual concluído. Não me levem a mal. Isso não quer dizer que não existam 11 mulheres a quem eu realmente ofendi. Elas existem. Por isso, eu me desculpo profundamente”, comentou. “O relatório dizia que eu teria abusado sexualmente de 11 mulheres. Essa foi a manchete que as pessoas escutaram e viram. A reação foi de indignação. Tinha que ser. No entanto, também era falsa.”
O governador insistiu que teria mal calculado as consequências de suas ações. “Achei que abraçar e colocar o meu braço em volta de uma funcionária, enquanto tirava foto, fosse algo amigável, mas ele achou muito ousado”, disse. “Beijei uma mulher no rosto, durante um casamento, e pensei ser legal, mas ela achou muito agressivo. Escorreguei e chamei pessoas de ‘querida’, ‘doçura’ e ‘amor’. Queria que fosse cativante, mas as mulheres acharam antiquado e ofensivo. Assumo total responsabilidade por minhas ações”, acrescentou. “Na minha mente, nunca cruzei a linha com ninguém, mas não percebi até que ponto a linha foi redesenhada”, conclui, ao reconhecer mudanças geracionais e culturais na sociedade nova-iorquina.
“Incapaz”
Lindsey Boylan, ex-assessora para desenvolvimento econômico do Estado de Nova York, foi uma das poucas vítimas a comentar a renúncia de Cuomo e a primeira a denunciá-lo. Segundo ela, o governador beijou-lhe a boca e tocou-lhe a cintura, as pernas e as costas. Ontem, ela escreveu no Twitter que, desde o começo, pediu ao político que parasse com o “comportamento abusivo”. “Ficou bastante claro que ele era incapaz de fazer isso. Ao invés disso, atacou e culpou as vítimas até o fim. É uma tragédia que tantos tenham ficado parados vendo esses abusos acontecerem”, lamentou. “Sou grata à procuradora-geral, aos investigadores e a todos aqueles que buscaram a verdade, apesar da intimidação e das ameaças de retaliação.” Lindsey se disse “maravilhada” com a força das outras 10 mulheres que “arriscaram tudo para denunciar”.
Advogada de Charlotte Bennett — ex-assessora a quem Cuomo teria perguntado se estaria disposta a fazer sexo com um homem mais velho e se era monogâmica —, Debra Katz classificou o dia de ontem como “solene”. Para ela, a renúncia do governador soa como “um testamento do crescente poder das vozes das mulheres”. Ela sublinha que o assédio sexual não é mais aceitável, não importa o cargo do assediador.
Em entrevista ao Correio, Nicole Bedera, doutoranda do Departamento de Sociologia da Universidade de Michigan e pesquisadora sobre violência sexual, explicou que as declarações públicas de Cuomo foram construídas para a autodefesa. “Muito disso é prejudicial às vítimas de assédio e às mulheres, em geral. Ele usou uma linguagem da esquerda, mas nada do que disse é libertador. São os mesmos comentários egoístas sobre a culpabilização da vítima”, ironizou.
A estudiosa aposta que Cuomo renunciou por saber que sua reputação não poderia sobreviver a um impeachment. Bedera espera que, com a derrocada política do governador, os americanos comecem a levar a sério a questão do assédio sexual e a pressionar pela reforma do sistema, a fim de apoiar as vítimas. “De modo mais realista, acho que continuaremos a ver que as únicas consequências para os perpetradores em cargos políticos são as demissões voluntárias. Quando um partido político nem mesmo exige isso de seus representantes, vemos um claro desequilíbrio. Os EUA precisam se sentir mais confortáveis com o impeachment de agressores sexuais conhecidos, independentemente do partido político. Temos um longo caminho até lá.”
“Dadas as circunstâncias, a melhor forma de ajudar agora é me afastar e deixar o governo voltar a governar”
Andrew Cuomo, governador demissionário de Nova York
“Eu concordo com a decisão do governador Cuomo
de renunciar. É a coisa certa a fazer e no melhor interesse dos nova-iorquinos”
Kathy Hochul, vice-governadora de Nova York
» Eu acho...
“Todos os políticos acusados de assédio sexual afirmam que as acusações são motivadas politicamente. Nós não deveríamos acreditar neles. Deveríamos confiar nas vítimas. No caso de Andrew Cuomo, as evidências são particularmente claras. Ele cometeu exatamente o que está sendo acusado.”
Nicole Bedera, doutoranda do Departamento de Sociologia da Universidade de Michigan e pesquisadora sobre violência sexual
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