TERROR

Talibã se aproxima da capital do Afeganistão e aumenta tensão

Talibãs controlam 18 das 34 capitais provinciais e estão a 50km do centro do poder. Tropas dos EUA devem iniciar, amanhã, resgate de diplomatas e cidadãos americanos

Rodrigo Craveiro
postado em 14/08/2021 06:00
 (crédito: FARSHAD USYAN / AFP)
(crédito: FARSHAD USYAN / AFP)

Estudante da Universidade de Cabul, Aisha (leia Depoimento), 22 anos, se diz “aterrorizada”. “Os talibãs estão mais brutais do que no passado; eles ganharam autoconfiança”, afirmou ao Correio. A milícia fundamentalista islâmica se aproxima da capital do Afeganistão. Ontem, os insurgentes capturaram Pul-e-Alam, capital da província de Logar, a apenas 50km de Cabul.

“Quero comprar uma burca azul, mas é quase impossível de encontrar no comércio. As mulheres sabem que o Talibã está vindo e se apressaram para adquirir a vestimenta”, desabafou. Ante o avanço incontrolável dos talibãs, os Estados Unidos preparam a retirada de “milhares de pessoas por dia” de Cabul, entre funcionários da embaixada e cidadãos.

Mais de 7 mil soldados norte-americanos estarão mobilizadas para a operação, que deve começar amanhã. Segundo a emissora CNN, os diplomatas dos EUA receberam ordens para destruir documentos sensíveis.

John Kirby, porta-voz do Pentágono, negou que Cabul esteja sob “ameaça iminente” do Talibã “neste momento”, mas admitiu que o grupo pretende isolar a capital. “Nós certamente estamos preocupados com a velocidade com que o Talibã tem se movido”, comentou. Ele estimou que, até amanhã, a maior parte dos 3 mil soldados norte-americanos chegarão à capital para se somarem aos 650 presentes no país.

Mais 3,5 mil soldados estacionados no Kuwait serão enviados ao Afeganistão para auxiliar a operação, caso necessário. O Reino Unido também disponibilizará 600 militares para ajudarem os cidadãos a saírem de Cabul. Alemanha, Suécia, Holanda, Itália e Espanha reduzirão ao mínimo os funcionários de suas embaixadas em Cabul.

A rede de TV Al-Jazeera divulgou, ontem, que o governo do presidente afegão, Ashraf Ghani, propôs ao Talibã uma partilha de poder em troca da interrupção da escalada de violência no país. A oferta teria sido feita anteontem, depois da queda de Ghazni, capital da província homônima.

A ofensiva talibã ganhou força também na quinta-feira, depois que Kandahar e Herat, respectivamente a segunda e a terceira maiores cidades do país, foram conquistadas pelos extremistas. Ontem, seis capitais caíram nas mãos do Talibã, totalizando 18: Lashkar Gah (província de Helmand), Terenkot (Uruzgan), Pul-e-Alam (Logar), Taluqan (Takhar), Qala-e-Naw (Badhgis) e Feruz Koh (Chor).

Solução política

De acordo com a agência de notícias France-Presse, quase todo o norte, o oeste e o sul do Afeganistão estão sob o controle do Talibã. Além de Cabul, o governo de Ghani ainda mantém sob sua tutela as grandes cidades de Mazar-i-Sharaf (norte) e Jalalabad (leste). Kabir Haqmal, analista político afegão e professor da Universidade de Cabul, disse à reportagem que o Talibã viu o anúncio da retirada estrangeira do Afeganistão como um ponto em seu favor.

“Os talibãs veem as forças do país como incapazes de defender as cidades que tomaram. Infelizmente, muitos senhores da guerra e políticos de algumas províncias tinham um acordo com o Talibã para facilitar a aproximação dos insurgentes. Felizmente, nossos soldados não estão se rendendo”, explicou. O especialista duvida que o Talibã consiga tomar o poder facilmente. “É possível uma solução entre os insurgentes, figuras políticas importantes e países influentes. Cabul não cairá no controle deles tão facilmente, como gostariam”, previu.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, instou o Talibã a “imediatamente suspender a ofensiva e negociar em boa-fé, no interesse do Afeganistão e de seu povo”. “Apenas uma solução política negociada pelos afegãos pode assegurar a paz”, advertiu.

Ele revelou ter recebido denúncias “horripilantes” de abusos cometidos pelos talibãs às mulheres e crianças das áreas ocupadas. “É particularmente assustador e doloroso ver informes sobre como os direitos conquistados com tanto esforço pelas meninas e mulheres estão sendo arrebatados”, acrescentou.

Antes mesmo da chegada do Talibã a Cabul, Aisha provou o horror ao saber da execução de um primo, na província de Farah. “Ele tinha se rendido aos talibãs, que lhe deram um documento de identidade e o fizeram assinar um papel. Ao tentar sair da cidade de Farah, foi assassinado”, disse.

A reedição de Saigon, 46 anos depois

O envio de milhares de soldados norte-americanos ao Aeroporto Internacional Hamid Karzai, em Cabul, para a retirada dos civis de Cabul, trouxe à tona a dolorosa memória da queda de Saigon, em 1975. A foto que imortalizou a derrota dos Estados Unidos no Vietnã, mostrando refugiados subindo em um helicóptero no telhado de um prédio, reapareceu nas redes sociais depois do anúncio do Pentágono de mobilizar até 8 mil soldados para conseguir a evacuação de civis da capital afegã.

Devido à “aceleração das ofensivas militares dos talibãs” e ao “aumento da violência e instabilidade”, Washington decidiu “reduzir ainda mais” sua presença diplomática em Cabul, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price. “As decisões do presidente Joe Biden nos levam a um resultado ainda pior do que a humilhante queda de Saigon em 1975”, afirmou o líder republicano no Senado, Mitch McConnell.

Recentemente, o próprio Biden garantiu que não havia nenhum ponto de comparação possível entre deixar o Afeganistão e o doloroso fim da guerra do Vietnã. “Não haverá ninguém que precise ser evacuado por via aérea do telhado da embaixada americana no Afeganistão. Não é nada comparável.”

» Depoimento

Medo palpável

“Não acredito que Cabul cairá rapidamente, pois vemos muitos soldados afegãos por aqui. As autoridades precisam manter o aeroporto aberto ou muitos estrangeiros ficarão presos na capital. Temo o retorno do emirado islâmico ao Afeganistão. Isso significaria uma mancha escura no mundo, um abrigo seguro para todos os extremistas. Também tenho receio de que, em algum momento, os talibãs imponham a nós, mulheres, o casamento forçado.

O medo por aqui é algo palpável, especialmente entre as mulheres. Todas nós estamos abandonadas. Existe o risco de sermos mortas pelos talibãs. Eles não sabem nada sobre direito das mulheres, executam os opositores e matam afegãos que trabalharam para os EUA. Meu cunhado trabalhou para os Exércitos norte-americano e afegão e, agora, está em pânico. Ele nada pode fazer.”

Aisha, 22 anos, estudante afegã na Universidade de Cabul

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