Cabul

Hamid Karzai, o ex-presidente afegão que saiu das sombras

Durante anos, Karzai advertiu que a contra-insurreição americana nos redutos dos talibãs no sul do país apenas estimulariam o movimento islamita radical

Agência France-Presse
postado em 20/08/2021 12:45 / atualizado em 20/08/2021 12:45
 (crédito: Islamic Emirate of Afghanistan / AFP)
(crédito: Islamic Emirate of Afghanistan / AFP)

Quando os talibãs entraram em Cabul, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, fugiu. Mas seu antecessor, Hamid Karzai, de 63 anos, saiu das sombras para tentar usar a sua experiência na área de pactos tribais tradicionais.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, Karzai encarnou o novo rosto do Afeganistão. Sua aura de modernizador, seu inglês perfeito, o fato de pertencer a uma antiga família pashtun e seus laços com as tribos afegãs transformaram ele no candidato ideal para mudar uma nação paralisada.

Em dezembro de 2001, após a expulsão dos talibãs, ele foi nomeado presidente de um governo de transição durante negociações com mediação da ONU em Bonn, Alemanha. Esta administração se comprometeu a trabalhar em prol da democracia.

Depois, uma assembleia afegã tradicional ratificou o presidente Karzai no cargo, o que gerou uma certa esperança de que que, talvez, uma nova era se aproximava no Afeganistão.

Mas as críticas não demoraram a ofuscar os elogios.

Apesar das acusações de fraude, Karzai venceu as segundas eleições presidenciais no país, depois que seu rival, Abullah Abdullah, desistiu de disputar o segundo turno.

Após a eleição de Barack Obama em 2008 e da saída do poder de George W. Bush, o governo dos Estados Unidos iniciou uma grande operação e enviou mais de 100.000 soldados ao Afeganistão para lutar contra os talibãs.

Durante anos, Karzai advertiu que a contra-insurreição americana nos redutos dos talibãs no sul do país apenas estimulariam o movimento islamita radical.

Em vão, ele suplicou a Washington que concentrasse os esforços em tentar convencer o governo paquistanês a parar de apoiar os líderes talibãs exilados em seu território.

Mas com os ataques dos insurgentes em Cabul, Karzai insistia que o que deveria ser feito era reincorporar os talibãs à vida política. Ele recebeu fortes críticas ao chamá-los de "irmãos".

"Figura unificadora"


Karzai perdeu o apoio do Ocidente. As autoridades e a imprensa dos Estados Unidos o ridicularizaram, com acusações de corrupção, enquanto Washington gastava bilhões de dólares em uma economia afegã arruinada, o que tornava as fraudes praticamente inevitáveis.

Ele caiu em desgraça em Washington e foi sucedido por seu ex-ministro das Finanças Ashraf Ghani, que presidiu o país de 2014 até a semana passada, quando fugiu para os Emirados Árabes Unidos.

Quando os talibãs assumiram o poder, Karzai retornou a um papel que conhece bem, correndo de reunião em reunião, em busca de aliados, para tentar obter uma espécie de acordo com os velhos inimigos.

No domingo, ele apareceu, ao lado das filhas, em um vídeo muito compartilhado nas redes sociais no qual destacou sua mobilização e a de sua família pelo país.

"Espero que os problemas do país sejam resolvidos com diálogos e negociações", declarou, utilizando o tom pragmático que empregou durante seus anos no poder.

"Também peço a todas as forças de segurança e aos talibãs, estejam onde estiverem, que protejam as vidas e os bens da população e que se concentrem na segurança das pessoas", completou.

Na quarta-feira, Karzai se reuniu com uma delegação de talibãs. Entre os insurgentes estava Anas Haqqani, irmão mais novo de Sirajuddin Haqqani, líder da rede de mesmo nome e considerado "terrorista" por Washington. Ele executou atentados suicidas e ataques brutais em Cabul durante a presidência de Karzai.

"Se queremos ver uma solução política, Hamid Karzai terá que desempenhar um papel chave", afirmou Ibraheem Thurial Bahiss, consultor no International Crisis Group.

"É uma figura unificadora em muitos sentidos", completou, antes de recordar que Karzai tem a fama de ter conseguido reunir "diversas facções" durante seu mandato.

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