A operação de retirada de estrangeiros e afegãos que desejam fugir do novo regime Talibã foi retomada nesta sexta-feira (27) no aeroporto de Cabul, um dia após o violento atentado executado pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI), que deixou pelo menos 85 mortos, incluindo 13 soldados americanos.
O atentado, que também deixou mais de 160 feridos, foi condenado pelos talibãs, pelos Estados Unidos e por seus aliados e também por Rússia e China.
Os ataques aumentaram a já grande tensão reinante, na parte final da contagem regressiva até 31 de agosto, quando todos os soldados americanos devem abandonar o país depois de 20 anos de presença militar. A data também significará o fim das retiradas em larga escala.
Mais de 100.000 pessoas foram retiradas do país desde meados de agosto.
O atentado suicida de quinta-feira teve como alvos os soldados que organizam a retirada e os afegãos aglomerados nas imediações do aeroporto, na esperança de embarcar em um dos voos dos países ocidentais.
As explosões provocaram pânico e desolação. As imagens de dezenas de vítimas, mortas, ou feridas, deitadas nas águas sujas de um canal de drenagem próximas do aeroporto, assim como os vídeos de homens, mulheres e crianças fugindo, apavorados, do local deixaram o mundo sem palavras.
"Há muitas mulheres e crianças entre as vítimas. A maioria das pessoas se encontra em estado de choque, traumatizada", disse à AFP nesta sexta-feira uma fonte do governo deposto em meados de agosto pelos talibãs.
Pelo menos 72 civis morreram, e mais de 150 ficaram feridos nos ataques, de acordo com informações compiladas nos hospitais locais.
O balanço pode aumentar nas próximas horas, porém: muitas pessoas estão gravemente feridas, e outras continuam desaparecidas.
Além dos afegãos mortos, 13 militares americanos faleceram, e 18 ficaram feridos, o balanço mais grave para o Exército dos Estados Unidos no Afeganistão desde 2011.
"Seguimos comprometidos"
No pior momento desde o início de seu mandato, o presidente americano, Joe Biden, prometeu "perseguir" os autores do ataque e fazê-los "arcar" com as consequências.
"Os Estados Unidos não se deixarão intimidar", disse o presidente.
Por meio de seu porta-voz, Zabihullah Mujahid, o Talibã condenou o ataque de maneira veemente, mas afirmou que "aconteceu em uma área onde as forças americanas são responsáveis pela segurança".
Sob o nome de EI-K (Estado Islâmico Khorasan), o grupo extremista reivindicou alguns dos ataques mais violentos executados no Afeganistão nos últimos anos e que deixaram dezenas de mortos, especialmente entre os muçulmanos xiitas.
Embora os dois grupos sejam sunitas radicais, EI e o Talibã são inimigos e expressam um ódio visceral mútuo.
Nesta sexta-feira, uma calma estranha era observada em Cabul, sobretudo, nas imediações do aeroporto, onde os talibãs reforçaram os controles, e a multidão desapareceu em alguns pontos.
Com a proximidade da data-limite de 31 de agosto, vários países já determinaram o fim de seus voos de repatriação. Espanha, Itália e Suécia anunciaram nesta sexta-feira o fim das operações, assim como já haviam feito Alemanha, Holanda, Canadá e Austrália.
"Seguimos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e da liberdade no país, buscando, em consequência, vias de ajuda para continuar retirando o maior número de pessoas", declarou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.
O governo do Reino Unido afirmou que as operações devem continuar por "algumas horas".
"Queria partir, como todo mundo"
A França sugeriu que pode continuar retirando pessoas do Afeganistão depois de sexta-feira, e uma delegação do país se reuniu com representantes dos talibãs em Doha, pela primeira vez, desde que o grupo tomou o poder no Afeganistão em 15 de agosto, anunciou um porta-voz do movimento islamita radical, Suhail Shaheen, no Twitter.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, também informou que seu país teve os primeiros encontros com os talibãs e avalia uma proposta do movimento para administrar o aeroporto da capital após a retirada americana.
O chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou durante a semana que os talibãs se comprometeram a permitir que americanos e afegãos sob sua proteção deixem o país depois 31 de agosto.
Há, no entanto, o temor de que muitos afegãos que trabalharam para governos e empresas estrangeiras, ou para o governo deposto, não consigam sair do país.
Os talibãs prometeram que não adotarão represálias contra seus críticos e garantem que seu governo não será igual ao do período de 1996 a 2001, quando o grupo impôs uma interpretação extremamente rigorosa e radical da lei islâmica que penalizava, especialmente, as mulheres e as minorias.
A ONU informou nesta sexta-feira que espera até meio milhão de refugiados afegãos adicionais em 2021, mas até o momento não registrou um êxodo.
Ao mesmo tempo, em Cabul, algumas famílias ainda procuram parentes nos hospitais.
"Ele queria ir embora para o exterior. Não sei se conseguiu entrar no aeroporto, ou não, porque os americanos bloqueiam o acesso", contou Abdul Majid, em referência ao irmão, do qual não tem notícias desde quinta-feira.
"Era estudante, tinha talento, mas, devido à situação do país, ele queria ir embora, como todo mundo", acrescentou.
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