Afeganistão

Talibãs se aproximam de Mazar-i-Sharif; Washington ativa diplomacia

Cidade histórica e centro comercial, Mazar-i-Sharif é o pilar sobre o qual o governo sempre se apoiou para controlar o norte do país.

Os talibãs começam a se aproximar de Mazar-i-Sharif, a maior cidade do norte do Afeganistão, região na qual estabeleceram suas posições e da qual os civis tentam fugir em larga escala ante o avanço sem pausa dos insurgentes.

Após as vitórias militares dos talibãs, o governo dos Estados Unidos ativou sua diplomacia, com uma reunião de seu enviado Zalmay Khalilzad nesta terça-feira (10) com representantes internacionais em Doha (Catar).

Cidade histórica e centro comercial, Mazar-i-Sharif é o pilar sobre o qual o governo sempre se apoiou para controlar o norte do país, uma zona habitualmente contrária aos talibãs.

Foi nesta região em que os insurgentes encontraram a resistência mais intensa durante sua ascensão ao poder nos anos 1990, inclusive durante seu regime (1996-2001), quando adotaram uma versão extremamente rigorosa da lei islâmica.

Atualmente, os talibãs avançam em um ritmo frenético e dominam cinco das nove capitais provinciais do norte. No sul, controlam Zaranj, a sexta das 34 capitais provinciais afegãs sob seu poder.

No domingo (8), em apenas poucas horas, assumiram o controle de Kunduz, ponto estratégico entre Cabul e Tadjiquistão, Taloqan e Sar-e-Pul. No sábado, tomaram Sibargan, reduto do célebre chefe de guerra Abdul Rashid Dostom e, na segunda-feira, conquistaram Aibak.

No alvo agora está Mazar-i-Sharif, cuja periferia já foi atacada nesta madrugada. Também iniciaram ofensivas em outras duas capitais do norte, Pul-e-Khomri e Faizabad. De acordo com o Ministério afegão da Defesa, os talibãs foram repelidos em todas elas.

Contatos diplomáticos

Em meio a intensos combates no norte e no sul, com cidades como Kandahar e Lashkar Gah cercadas há vários dias, Doha recebe uma reunião com representantes de Estados Unidos, Catar, China, Reino Unido, Paquistão, Uzbequistão, ONU e União Europeia.

A cidade no Catar sedia desde setembro passado negociações entre o governo afegão e os talibãs. Esta tentativa de diálogo foi estabelecida no acordo de paz assinado em fevereiro de 2020 entre os insurgentes e o governo dos Estados Unidos, o qual previa a retirada das tropas estrangeiras do Afeganistão.

As negociações estão paralisadas e, aproveitando-se da saída das tropas americanas, os talibãs iniciaram em maio uma forte ofensiva, com a qual assumiram o controle de vastas zonas rurais, em um primeiro momento. Agora, voltam-se contra as cidades.

Apesar das esperanças reduzidas, Zalmay Khalilzad "fará um apelo para que os talibãs interrompam sua ofensiva militar e negociem um acordo político", afirmou o Departamento de Estado americano.

A retirada das forças internacionais foi decidida pelo então presidente americano, Donald Trump. Seu sucessor Joe Biden adiou a saída em alguns meses, mas as forças americanas e estrangeiras devem pôr fim a duas décadas de sua ostensiva presença no território até o fim de agosto.

Nas últimas semanas, o governo Biden deixou claro que a linha de comando não mudará: Washington manterá o apoio a Cabul, mas são os afegãos que deverão decidir seu destino.

"Trata-se de defender seu país. É o seu combate", disse o porta-voz do Pentágono, John Kirby.

Deslocados acampados em Cabul

Milhares de pessoas fugiram do norte, e muitas chegaram a Cabul após uma viagem cansativa de 10 horas de carro. Ao longo do trajeto, precisaram passar por vários postos de controle dos insurgentes.

Os talibãs "assaltam e saqueiam", relatou Rahima, uma mulher acampada ao lado de centenas de deslocados em um parque de Cabul, depois de fugir de Sibargan.

"Se há uma jovem, ou uma viúva, em uma família, levam ela à força. Fugimos para proteger nossa honra", afirmou.

Farid, que fugiu de Kunduz, não escondeu o desespero. "Estamos tão cansados, e nossos corações, abalados pela vida", desabafou.

A cidade, que representa a maior vitória para os talibãs até agora, recuperou a calma nesta terça-feira, disseram moradores à AFP.

Os insurgentes não patrulham as ruas, e estabelecimentos comerciais e restaurantes reabriram as portas. Ainda assim, os combates prosseguiam ao redor do aeroporto, ainda sob controle do governo.

"As pessoas abriram suas lojas, mas ainda é possível ver o medo em seus olhos", contou o comerciante Habibullah.

A ONU registrou ao menos 183 civis mortos e 1.181 feridos em um mês nos combates em Lashkar Gah, Kandahar, Herat e Kunduz, denunciou a alta comissária para os Direitos Humanos da organização, Michelle Bachellet.

Em um comunicado, ela pediu o fim dos combates "para evitar um maior derramamento de sangue" e fez um apelo para que os talibãs "acabem com as operações militares nas cidades".