Verdes na agenda do Brasil 2022
Dentro de três domingos, contados a partir de amanhã, os alemães vão às urnas para decidir quem sucederá a chanceler Angela Merkel depois de 16 anos à frente do governo em Berlim. Na reta final da campanha, as pesquisas de opinião recomendam cautela sobre o que virá depois de 26 de setembro. Uma coisa, porém, é certa: o próximo gabinete terá como componente inevitável o partido dos Verdes.
A sondagem publicada ontem no site da revista Der Spiegel, a principal do país, mostra o Partido Social Democrata (SPD) à frente, pela primeira vez desde 2005, quando Merkel, da União Democrata Cristã (CDU), conquistou o primeiro dos quatro mandatos como chefe de governo. Com 25% das intenções de voto, a legenda herdeira de Karl Marx meio que renasce das cinzas e supera, por três pontos percentuais, a grande rival do pós-Segunda Guerra.
Terceiro colocado, com 18%, o partido ecopacifista nascido das manifestações dos anos 1980 contra armas e usinas nucleares é parceiro incontornável para qualquer dos dois volksparteien (“partidos populares”, como são chamadas na Alemanha as siglas com peso eleitoral para comandar um gabinete).
Clima em alta
A presença dos ecopacifistas no primeiro degrau do cenário político-eleitoral traduz em votos e mandatos uma tendência consistente no pensamento da sociedade alemã. Os Verdes se insinuaram no Bundestag (parlamento federal) em 1983, na esteira de uma campanha (derrotada) contra a instalação no país de novas baterias de mísseis nucleares americanos, no marco da Guerra Fria contra a hoje extinta União Soviética.
Em 1998, ingressaram pela primeira vez no governo federal como sócios menores do SPD, com o então chanceler Gerhard Schröder. Entre altos e baixos, consolidaram a posição de “terceira via” entre as forças convencionais de direita e esquerda. Chegaram a liderar as pesquisas de opinião, no ano passado, quando Merkel, que os alemães chamam de Mutti (“mamãe”), confirmou a aposentadoria.
Denominador comum
A trajetória da chanceler na questão ambiental, particularmente nas medidas de enfrentamento ao aquecimento global, ilustra fielmente a adesão em massa da sociedade alemã à causa. Mais importante: a liderança natural do país no continente fez do meio ambiente um parâmetro central e incontornável em toda a ação diplomática da União Europeia.
Cenário eleitoral imediato à parte, é certo que o tema estará também no centro da campanha presidencial do ano que vem na França, que compõe com Berlim a dupla dinâmica na condução política e prática da UE. Candidato à reeleição, mas longe de ter uma posição segura, o presidente Emmanuel Macron, autodenominado centrista, não hesitou em abraçar a agenda ecológica da vizinha.
Mercosul na berlinda
Da perspectiva da diplomacia brasileira, o período de pouco mais de seis meses que separa as eleições na Alemanha e na França coincide com os preâmbulos da disputa presidencial de outubro de 2022, quando Jair Bolsonaro deve tentar a reeleição — quase certamente, tendo como principal adversário o ex-presidente Lula. Paralelamente à agenda política, de ambos os lados do Atlântico, corre o processo de ratificação do acordo comercial fechado em 2019 entre a UE e o Mercosul.
Com a mira no peso crescente dos ecovotos, é certo que os grandes partidos alemães e franceses terão no centro da campanha e dos programas de governo a política para as mudanças climáticas. E, nesse capítulo, queimadas e desmatamento na Amazônia têm sua incidência potencializada: o ambiente político europeu é hospitaleiro a propostas que apontem para condicionar a ratificação da área comercial UE-Mercosul a medidas concretas e verificáveis de preservação da floresta.
Com quem andas
Tanto Merkel quanto Macron — o francês mais claramente — já fizeram declarações públicas nas quais sugeriram que as atitudes quanto ao tema ambiental, do lado de cá, são um critério basilar, do lado de lá, para consagrar e colocar em prática a área de lívre-comércio mais populosa do mundo. E a boa-vontade para com o Brasil, em especial, murchou bastante desde a posse de Bolsonaro.
Ainda em campanha, o presidente manifestou preferência clara pela relação bilateral com os EUA de Donald Trump. Nos primeiros dois anos de mandato, com o olavista Ernesto Araújo à frente do Itamaraty, a opção ganhou corpo como política externa. Com direito a desencontros de ordem pessoal com o presidente francês.
A derrota de Trump nas urnas, em 2020, e a chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca deixaram o Planalto ainda mais solitário, particularmente na agenda ambiental. O novo presidente americano tem arestas a aparar com os aliados europeus, inclusive no que diz respeito ao fiasco político-militar no Afeganistão. Mas, até por isso, investe firme na crise climática como frente diplomática propícia a costurar afinidades e descoser ranhuras.
Intervalo
Começo aqui um período de férias. A Conexão retorna no primeiro sábado de outubro. Até lá, meu reconhecimento aos leitores e interlocutores.
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