Passados 24 dias da tomada de Cabul, os talibãs começaram a anunciar, ontem, os principais nomes de seu novo governo, que será liderado por Mohammad Hasan Akhund, ligado ao mulá Omar, fundador do movimento islâmico. Apesar de inicialmente ter adotado um tom tranquilizador, com a promessa de uma gestão mais inclusiva e tolerante, Abdul Ghani Baradar, cofundador do movimento, foi designado como número dois do regime. Horas antes da divulgação, um protesto de centenas de pessoas, em Cabul, foi dispersado com tiros para o alto pelos combatentes do Talibã
Sirajuddin Haqqani, líder de uma organização que leva seu sobrenome e é classificada como terrorista pelos EUA, estará à frente da pasta do Interior. O mulá Yaqub, filho do mulá Omar, será o ministro da Defesa. “O governo não está completo”, informou o principal porta-voz, Zabihullah Mujahid, acrescentando: “Tentaremos incorporar pessoas de outras regiões do país.”
Pouco depois da divulgação, o líder supremo do Talibã, Hibatullah Akhundzada, cujas aparições públicas são raras, pediu ao novo governo afegão que respeite a sharia, a lei islâmica. “Posso assegurar a todo nosso povo que os governantes se esforçarão em fazer respeitar as normas islâmicas no país”, afirmou, em um comunicado em inglês. Foi a primeira mensagem de Akhundzada desde que o grupo assumiu, em 15 de agosto.
Resistência
Os protestos de ontem tiveram como motivação denunciar a violenta repressão do regime no vale de Panjshir, último reduto de resistência que o movimento islamista afirmou, na véspera, ter sufocado. “Essas manifestações são ilegais até que os prédios do governo estejam abertos e leis tenham sido proclamadas”, declarou Zabihullah Mujahid, que pediu à imprensa para não cobrir os atos.
Em outras cidades do país também foram organizados protestos contra o regime, como em Mazar-i-Sharif (norte) ou em Herat (oeste), onde duas pessoas morreram e oito ficaram feridas, segundo informações da agência de notícias France-Presse.
Além da situação em Panjshir, os manifestantes de Cabul também reclamaram da interferência do Paquistão, muito próximo ao Talibã. Quase 100 pessoas, a maioria mulheres, reuniram-se diante da embaixada do país vizinho. “Não queremos um governo apoiado por Paquistão”, gritaram. “Paquistão saia do Afeganistão.”
Zabihullah Mujahid negou qualquer vínculo do novo governo afegãi com os paquistaneses. “Dizer que o Paquistão ajuda o Talibã é propaganda. Não permitiremos que nenhum país interfira nos temas afegãos”, insistiu. O diretor do serviço de inteligência militar paquistanês, Faiz Hameed, foi visto no fim de semana em Cabul, aumentando as especulações sobre uma reunião com autoridades talibãs.
Jornalistas que cobriam os protestos afirmaram que os combatentes talibãs executaram detenções e apreenderam material. Em um comunicado, a Associação Afegã de Jornalistas Independentes (AIJA) destacou que 14 repórteres, nacionais e estrangeiros, foram detidos por algumas horas.
No protesto em frente à embaixada, as afegãs clamaram por liberdade. “As mulheres querem que seu país seja livre. Querem a reconstrução do país. Estamos cansadas”, declarou Sarah Fahim. “Queremos que nosso povo tenha uma vida normal. Quanto tempo teremos que viver nesta situação?”, indagou a jovem de 25 anos.
A comunidade internacional tem reiterado que vai julgar o Talibã por suas ações no novo governo, retomado 20 anos depois da expulsão efetivada por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos. O movimento radical prometeu respeitar os direitos das mulheres, violados durante o primeiro regime, de 1996 a 2001. Mas suas promessas não convencem.
Compromisso
Durante uma visita ao Catar, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que as novas autoridades em Cabul prometeram, novamente, que permitirão a saída de todos os afegãos que desejam abandonar o país. “A comunidade internacional espera que o Talibã respeite este compromisso”, disse o chefe da diplomacia do governo Joe Biden, ao lado do secretário de Defesa, Lloyd Austin.
A Casa Branca é alvo de pressão, depois que várias informações apontaram que centenas de pessoas — incluindo alguns americanos — estariam bloqueadas no aeroporto de Mazar-i-Sharif, no norte do Afeganistão .
» As faces do poder
Mohammad Hasan Akhund
Natural de Kandahar, o novo primeiro-ministro afegão foi aliado próximo e conselheiro político do fundador do movimento e líder supremo,
mulá Omar. No primeiro governo do Talibã, foi chanceler, vice-premiê e governador da província de Kandahar. De acordo com a ONU, Akhund é conhecido por ter sido um dos “comandantes talibãs
mais eficazes”.
Mulá Baradar
O cofundador do movimento Abdul Ghani Baradar será o número dois do novo Executivo. Figura respeitada por várias facções talibãs, Baradar coordenou as negociações realizadas em Doha com o governo do então presidente americano Donald Trump, que levaram à retirada das forças estrangeiras do Afeganistão.
Abdul Salam Hanafi
Dividindo com Baradar a posição de número dois do governo, Hanafi foi o vice-ministro da Educação no primeiro governo do Talibã, que proibiu a escolarização das mulheres. Depois que o movimento islâmico foi destituído do poder em 2001, ele assumiu a província de Jawzjan, controlado pelo grupo. O Conselho de Segurança da ONU o acusa de envolvimento com tráfico de drogas.
Sirajuddin Haqqani
O novo ministro do Interior é filho do famoso comandante da jihad antissoviética Jalaluddin Haqqani. Ele lidera uma organização com seu sobrenome, fundada por seu pai, considerada terrorista por Washington, que garante ser uma das facções mais perigosas enfrentadas pelas tropas afegãs e da Otan nas últimas duas décadas. O FBI prometeu recompensa de até US$ 5 milhões por qualquer informação que possa levar à prisão de Haqqani.
O mulá Yaqub
O filho do mulá Omar assume o cargo de ministro da Defesa. Yaqub é o chefe da poderosa comissão militar do Talibã, que decidiu a estratégia do movimento na guerra contra o governo afegão. Os laços com seu pai, altamente reverenciado como o chefe do grupo, fazem dele uma figura unificadora dentro de um movimento amplo e diverso.
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