Foram quatro horas de pavor dentro da delegacia de polícia em Karte Char, bairro situado na região oeste de Cabul. Os jornalistas Taqi Daryabi e Nematullah Naqdi, repórteres do diário Etilaatroz, cobriam um protesto das mulheres, na mesma área da capital afegã. Os dois acabaram presos e torturados pela milícia fundamentalista islâmica Talibã. O incidente ocorre horas depois de o grupo que governa o Afeganistão decretar a proibição de manifestações sem prévia autorização do regime.
“Quando eu e Naqdi chegamos ao local do ato com as câmeras e equipamentos, tivemos de esperar 20 minutos até o início do protesto. Decidimos fazer algumas tomadas de vídeo. No momento em que alguns talibãs se aproximaram, escondi a câmera. As mulheres tentaram intervir, mas eles nos levaram e conduziram outro homem conosco. Ao entrarmos na delegacia, vimos que espancavam o homem com toda a força. Fiquei chocado”, relatou Daryabi, 22 anos, ao Correio, por meio do WhatsApp. Elem seriam os próximos.
De acordo com Daryabi, cerca de 10 policiais talibãs o cercaram e começaram a espancá-lo, em uma sala anexa. “Eles me bateram com chicotes. Usaram uma haste elétrica e tudo o que tinham em mãos. Torturaram-me por 10 minutos, até que perdi a energia e desmaiei. Assim que recuperei a consciência e percebi minha situação, pararam com o espancamento e me levaram a outra sala, onde havia 10 pessoas acusadas de crimes”, afirmou. “Eu estava sem energia e não conseguia me mover. Um dos presos me ajudou a deitar-me.” Depois de cinco minutos, Naqdi foi levado ao recinto. “Estava na mesma condição que eu. Após quatro horas, fomos soltos e voltamos à Redação”, disse Daryabi.
O Correio também falou com Naqdi. “Os talibãs me conduziram a uma sala separada e, sem me explicar por que fui preso, tomaram meu celular e o desligaram. Amarram minhas mãos atrás da cabeça e ataram minhas pernas. Cinco talibãs começaram a me golpear com violência. Também me deram choques. Apanhei durante 10 a 15 minutos. Chutaram minha cabeça e meu rosto. Desmaiei quatro vezes. Eu dizia a eles que sou jornalista, mas não se importavam com isso”, relatou. “Meu corpo inteiro dói. Tudo, dos joelhos aos pés. Um dos meus olhos sangra, minha orelha esquerda levou tapas, e não consigo escutar direito. Meu corpo inteiro está despedaçado.”
Ao saber que Daryabi e Naqdi tinham sido detidos, o também repórter Aber Shaygan e o editor Khadem Hussain Karimi se dirigiram à delegacia. “O Talibã os espancou severamente e torturou-os com cabos, cassetetes, chutes e coronhadas. Cada um deles desmaiou por várias vezes e todos foram levados ao hospital”, afirmou Shaygan, 23, à reportagem. Segundo ele, Daryabi e Naqdi mal conseguiam caminhar, quando entraram na Redação.
“O que percebi na delegacia foi uma diferença enorme entre o que os talibãs diziam e o que faziam. Os seus líderes e porta-vozes tentam transmitir uma boa imagem à mídia. Na prática, são um grupo muito violento, extremista e selvagem, que viola gravemente os direitos humanos. O Talibã também é incoerente e fragmentado. Subordinados nem sempre agem de acordo com as ordens das lideranças”, comentou Shaygan. A agência de notícias France-Presse (AFP) questionou o governo do Talibã sobre o assunto, mas não obteve resposta. Ontem, a enviada da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Afeganistão, Deborah Lyons, admitiu que os talibãs cometeram homicídios em represália após a tomada do poder, apesar das promessas de anistia.
Voz de uma vítima
“O trabalho livre da imprensa não é possível sob o regime desse grupo extremista religioso. Estamos profundamente preocupados com a perda de conquistas dos últimos 20 anos no campo da liberdade de expressão. Espero que o Talibã não prive os jornalistas de seus direitos básicos e do direito de informar e publicar os fatos.” Nematullah Naqdi, jornalista do diário Etilaatroz, o maior jornal de Cabul.
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