Acordos

Quais são os riscos do acordo de submarinos entre EUA e Austrália?

Os submarinos usados pela Marinha dos Estados Unidos, e também pela britânica, que faz parte do acordo com a Austrália, usam urânio altamente enriquecido, ou HEU, enriquecido a 93%

Agência France-Presse
postado em 22/09/2021 13:13 / atualizado em 22/09/2021 13:13
 (crédito: Drew Angerer/ Getty Images/ AFP)
(crédito: Drew Angerer/ Getty Images/ AFP)

A decisão dos Estados Unidos de vender submarinos com propulsão nuclear para a Austrália prejudicou pactos globais de longa data, mas frágeis, para impedir a proliferação de tecnologias nucleares perigosas, segundo especialistas.

O acordo acabou com um pacto anterior com a França para a venda de submarinos não nucleares para a Austrália e fortalece radicalmente a capacidade de Canberra de projetar seu poderio militar na região da Ásia-Pacífico.

Mas pode encorajar outros países a vender livremente sua tecnologia nuclear, potencialmente expandindo o número de nações que podem construir armas nucleares?

O problema do urânio

A Austrália estava inicialmente interessada em submarinos franceses convencionais movidos a diesel, que são mais fáceis de detectar e devem emergir a cada poucos dias para recarregar suas baterias.

Submarinos movidos à energia nuclear podem passar semanas sob a superfície e viajar longas distâncias sem serem detectados. São limitados apenas pelas reservas de comida e água para a tripulação, geralmente um máximo de três meses.

Os submarinos usados pela Marinha dos Estados Unidos, e também pela britânica, que faz parte do acordo com a Austrália, usam urânio altamente enriquecido, ou HEU, enriquecido a 93%.

Nesse nível, os submarinos podem operar por 30 anos sem a necessidade de novo combustível.

Mas também é o mesmo nível de concentração de urânio necessário para uma arma nuclear potente.

Uma grande preocupação sobre a proliferação nuclear é que o urânio altamente enriquecido para armas caia nas mãos de um Estado rebelde ou grupo terrorista, diz Alan Kuperman, coordenador do Projeto de Prevenção da Proliferação Nuclear da Universidade do Texas em Austin.

"O caminho mais provável para tal bomba seria um adversário desviar ou roubar um dos dois explosivos nucleares necessários, plutônio ou urânio altamente enriquecido, de um propósito não-armamentista, como combustível de reator", escreveu Kuperman no site Breaking Defense.

Os navios da Marinha dos EUA "usam o equivalente a cerca de 100 bombas nucleares de urânio altamente enriquecido a cada ano, mais do que todos os outros reatores do mundo combinados", disse.

Proliferação

Apenas seis países - Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Índia e Rússia - possuem submarinos com propulsão nuclear.

Os países têm sido cautelosos em permitir que a tecnologia e o combustível se espalhem.

Para James Acton, do Carnegie Endowment for International Peace, a venda dos Estados Unidos para a Austrália é um precedente perturbador.

Ele observa que, de acordo com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear de 1970, os países que não possuem armas nucleares não estão proibidos de adquirir submarinos com propulsão nuclear e, se quisessem, podem remover o material nuclear da embarcação.

"Esta é uma grande lacuna", escreveu Acton no Twitter.

"Não estou particularmente preocupado com a aquisição de armas nucleares pela Austrália. Estou preocupado com o fato de outros Estados usarem esse precedente para explorar uma brecha no regime global de não proliferação".

Efeito bola de neve

Daryl Kimball, da Associação para o Controle de Armas, diz que a venda dos EUA "compromete" os próprios princípios de não proliferação de Washington.

"Tem um efeito corrosivo na ordem internacional, que se baseia em regras", comentou à AFP.

A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, insistiu que os Estados Unidos continuam comprometidos com a não proliferação e classificou a venda para a Austrália como "um caso excepcional, não um precedente".

Mas os especialistas consideram isso arriscado.

O acordo entre os Estados Unidos e a Austrália "poderia muito bem abrir uma caixa de Pandora de proliferação", segundo Tariq Rauf, ex-chefe de verificação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que ajuda a fazer cumprir os acordos nucleares.

Para ele, poderia encorajar países sem armas nucleares como Argentina, Brasil, Canadá, Arábia Saudita ou Coreia do Sul a comprar submarinos nucleares que poderiam fornecer combustível para armas.

Hans Kristensen, da Federação de Cientistas Americanos, teme um efeito de bola de neve de proliferação.

Após o acordo entre os Estados Unidos e a Austrália, ele disse à AFP: "A Rússia poderia aumentar o fornecimento dessa tecnologia para a Índia, a China poderia fornecer tecnologia de reatores navais para o Paquistão ou outros, e o Brasil poderia ver uma maneira mais fácil para seu problemático projeto de reator submarino".

Alternativa mais segura?

Os especialistas afirmam que uma alternativa um pouco mais segura poderia ser a Austrália adquirir submarinos nucleares usando urânio pouco enriquecido (LEU).

O LEU é enriquecido em menos de 20% de urânio, um grau usado em usinas nucleares.

Nos submarinos, deve ser substituído a cada 10 anos, em um processo perigoso e difícil.

Isso não impediu as Marinhas francesa e chinesa de usar essa tecnologia. A Marinha dos Estados Unidos é pressionada a mudar para o LEU, mas ainda não o fez.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação