ESTADOS UNIDOS

Em rara visita ao Congresso, Biden pede união para salvar agenda econômica

O presidente se reúne com a bancada democrata para tentar destravar a aprovação de projetos de infraestrutura. Deputados progressistas exigem tratamento prioritário para os temas sociais

Rodrigo Craveiro
postado em 02/10/2021 06:00
Joe Biden com a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi: esforços conjuntos para selar a paz no partido -  (crédito: Mandel Ngan/AFP)
Joe Biden com a presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi: esforços conjuntos para selar a paz no partido - (crédito: Mandel Ngan/AFP)

Divergências entre a ala moderada e o restante do Partido Democrata colocam em risco a agenda da Casa Branca no Legislativo e ameaçam deflagrar uma crise na política doméstica do governo Joe Biden. Na tentativa de unificar a bancada no Congresso, Biden visitou o Capitólio, na tarde de ontem. Depois de ser recepcionado pela presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, ele se reuniu com os legisladores aliados para destravar o impasse em torno da votação de um projeto de lei bipartidário sobre infraestrutura, o qual prevê investimentos de US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,37 trilhões). Deputados progressistas impõem resistência por considerarem prioridade um segundo projeto de lei, que dispõe US$ 3,5 trilhões (ou R$ 18,7 bilhões) para saúde, educação, mudanças climáticas e licença remunerada. As reformas de Biden tinham sido bloqueadas no Legislativo. Pelosi adiou uma votação na quinta-feira e, antes do encontro com o presidente, tinha prometido que a Câmara apreciaria o projeto ainda ontem.

Na iminência de colapso político da agenda econômica da Casa Branca, Biden pediu aos democratas centristas e aos liberais que tenham paciência e trabalhem nos bastidores pela aprovação do projetos. “Digo a vocês: nós conseguiremos isso. Não importa quando. Não importa se em seis minutos, seis dias ou seis semanas. Nós faremos isso”, assegurou o presidente norte-americano, ao fim do encontro de 40 minutos com congressistas do partido. A intervenção de Biden, durante a rara visita ao Congresso, parece ter desincumbido os congressistas de trabalharem com pressa na aprovação.

James Naylor Green — historiador e brasilianista da Universidade Brown (Rhode Island) — explicou ao Correio que o texto de US$ 3,5 trilhões busca abordar temas sociais, como a gratuidade dos dois primeiros anos na universidade, a oferta de vagas em creches e outras medidas para expandir o Estado de bem-estar social. “O projeto de US$ 1 trilhão foi aprovado pelo consenso de 60 senadores, incluindo 11 republicanos. Na Câmara, os progressistas, legisladores mais de esquerda, consideram impossível a aprovação do projeto de US$ 1 tri sem a garantia do aval ao segundo texto”, comentou. “No fim das contas, creio que teremos a aprovação dos dois projetos de lei. Isso mostrará a unidade dentro do Partido Democrata, ante a grande variação na ideologia dos vários segmentos que fazem parte da legenda.”

Corrosão

Professor de história e política social da Universidade de Harvard, Alex Keyssar afirmou à reportagem que, se Biden falhar em apaziguar as fileiras do Partido Democrata, sua posição de líder poderá sofrer uma corrosão. “Mas seria um dano apenas temporário”, prevê. “Sobre a visita de Biden ao Congresso, não é algo tão incomum. Nos Estados Unidos, o presidente costuma tomar essa atitude para reforçar o quão pensa ser importante uma votação específica.”

Peter Diamond, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e Prêmio Nobel de Economia em 2010, disse ao Correio que existe amplo espaço para o aumento de impostos capazes de cobrir grande parte ou a totalidade dos gastos previstos pela reforma econômica de Biden, ao longo da próxima década. “Os cortes excessivos de impostos deveriam ser revertidos, e a estrutura tributária precisa ser revista e reparada”, defendeu.

Até o fechamento desta edição, não havia uma definição sobre o cronograma de votação dos dois textos do pacote de infraestrutura. Pelosi mostrou otimismo e, em uma publicação no Twitter, se disse “honrada em receber o presidente dos Estados Unidos”. “Juntos, nós vamos #BuildBackBetter (‘Reconstruir melhor’, o nome dos projetos de lei) para o povo norte-americano”, escreveu a democrata, ao divulgar duas fotos ao lado de Biden. Keyssar disse esperar que “alguma versão dos projetos” deverá ser aprovada na próxima semana.

O racha da bancada democrata no Congresso é mais um capítulo no turbulento primeiro ano do governo Biden. Em 255 dias de gestão, o presidente contabiliza polêmicas e reveses no cenário externo, com a aceleração da retirada militar do Afeganistão e a crise diplomática com a França provocada pela desistência em um acordo para a venda de submarinos.

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“Depois de 40 anos de investimentos inadequados em infraestrutura, em apoio ao potencial humano, e na abordagem das mudanças climáticas, a oportunidade para os Estados Unidos darem um pontapé importante nessas três áreas não pode ser desperdiçada.” Peter Diamond, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e Prêmio Nobel de Economia em 2010.

“O projeto de lei sobre infraestrutura é viável e conta com amplo apoio. O pacote maior dele tem vários programas e peças (mudanças climáticas, atenção às crianças, etc) reunidos. É uma maneira de o texto ser aprovado pelo Senado por meio de um processo de reconciliação.” Alex Keyssar, professor de história e política social da Universidade de Harvard.

“A visita de Biden ao Capitólio é um símbolo excelente de sua ambição maior: reunir todos os americanos razoáveis contra o extremismo de direita. Na verdade, ele falhou em administrar uma crise no Partido Democrata e fracassará em implementar as reformas abrangentes de que o país precisa para sair da atual crise econômica.” Bruce Ackerman, professor de direito e ciência política da Universidade de Yale.

“Creio que Biden conseguirá a aprovação dos projetos de lei. Os democratas sabem que, se não conseguirem resultados concretos, correm risco de perder a grande maioria na Câmara e no Senado. Quando você tem maioria, detém o poder. Quando é minoria, não tem poder nenhum no Congresso.”
James Naylor Green, historiador da Universidade Brown (Rhode Island).

 

 

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