ÁSIA

China envia duro recado a Taiwan

Em pouco mais de 24 horas, 77 aviões de guerra de Pequim invadem a zona de defesa da ilha capitalista. Exibição de força coincide com a data nacional dos chineses e envolve quatro bombardeiros nucleares H-6. Especialistas veem manobra diversionista

Rodrigo Craveiro
postado em 03/10/2021 00:03

Ademonstração de poderio bélico da China contou com 77 aviões de guerra, incluindo caças Shenyang J-16 e Sukhoi Su-30, cargueiros Shaanxi Y-8 e quatro bombardeiros nucleares H-6. As aeronaves realizaram a maior incursão da história à zona de defesa de Taiwan (ADIZ), em quatro ondas — duas na sexta-feira, data nacional chinesa, e duas ontem. O governo taiwanês acusou o governo do presidente chinês Xi Jinping de escalar a tensão e ameaçar a ilha capitalista. “A China foi beligerante e atacou a paz regional ao executar vários atos de intimidação”, afirmou o primeiro-ministro, Su Tseng-chu. “É evidente que o mundo, a comunidade internacional, rejeita cada vez mais estes comportamentos da China.” A manobra coincidiu com o 72º aniversário de fundação da República Popular China, na sexta-feira, e ocorre às vésperas da Data Nacional da República da China (Taiwan), a ser comemorada em 10 de outubro.

Com 23 milhões de habitantes, Taiwan enfrenta a constante ameaça de invasão por parte da China, que considera a ilha parte de seu território. Segundo o Ministério da Defesa Nacional taiwanês, 38 aviões chineses entraram na porção sudoeste da ADIZ na sexta-feira, até então um recorde. Ontem, a marca foi quebrada por 39 aeronaves. A zona de defesa de Taiwan não equivale ao espaço aéreo da ilha — inclui área mais extensa, a qual se sobrepõe a parte da zona de identificação de defesa aérea da China e a parte de seu território.

Cientista político da Universidade Soochow, em Taipé, capital de Taiwan, Fang-Yu Chen afirmou ao Correio que as incursões chinesas soam mais como mensagem de Xi ao público interno do que um aviso aos taiwaneses. “Xi quer preservar a forte imagem em relação a Taiwan, para pacificar os nacionalistas chineses e os falcões da política externa”, explicou. “Como a China enfrenta graves problemas de falta de eletricidade e foi muito atingida pela covid-19, o presidente chinês precisa mostrar os músculos para desviar o foco (dos problemas). Os taiwaneses estão acostumados com as ameaças da China, de efeitos limitados.”

Pressão regional
O taiwanês Yao-Yuan Yeh — diretor do Departamento de Estudos Internacionais e de Línguas Modernas da Universidade de St. Thomas, em Houston (Texas) — disse à reportagem que o comportamento da China “provavelmente foi em resposta ao aumento do status internacional e ao reconhecimento de Taiwan”. Yeh lembra que a aliança firmada entre Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, no âmbito do pacto de defesa Aukus, impôs pressão sobre Pequim na região do Indo-Pacífico. “Outro fator importante foi a petição de Taiwan para se unir ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), o qual contempla 11 países-membros: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã.”

De acordo com Yeh, a China quis mostrar o poderio militar aos países do CPTPP para demovê-los de concederem a adesão a Taiwan. A manobra de Pequim, segundo ele, também teria o Japão como destinatário. “O recém-eleito futuro premiê japonês, Fumio Kishida, tem fama de ser duro com a China e de se alinhar aos EUA”, explicou. Yeh concorda com Chen em relação a uma estratégia diversionista de Xi. “Turbulências na China, incluindo a redução no consumo de eletricidade, a crise financeira do segundo maior grupo de investimentos imobiliários chinês (Evergrande Group) e o provável baixo índice de crescimento econômico em relação ao esperado podem ser temas ofuscados pelo Partido Comunista Chinês, com a escalada de tensão com Taiwan.”

Yeh explicou que, no momento em que a competição entre China e EUA se acirra, o comportamento agressivo de Pequim pode não causar resultado favorável. “Esses atos ameaçadores também podem servir para o público doméstico, a fim de reunir um sentimento nacionalista mais forte em apoio a Xi e ao PCC.”

Eu acho...
“A China tem interesse em anexar Taiwan por diferentes razões, incluindo a aquisição de indústrias de alta tecnologia. Pequim pretende expandir sua trajetória de poder naval. Uma invasão à ilha teria resultado imprevisível e enormes custos. Por considerar tais custos, é improvável que ela ocorra. Sob pressão criada por uma turbulência econômica sem precedentes ou pela intensificação da batalha interna no Partido Comunista Chinês, Xi poderia usar a guerra contra Taiwan como cortina de fumaça.”

Yao-Yuan Yeh, diretor do Departamento de Estudos Internacionais e de Línguas Modernas da Universidade de St. Thomas, em Houston (Texas)

“A China nunca desistiu de utilizar a força para anexar Taiwan. Xi Jinping tem reiterado isso de maneira frequente. Portanto, esta é uma ameaça plausível para a paz de toda a região. Para a China, unificar Taiwan é uma meta sagrada de todos os líderes do país. Eles têm buscado intimidar Taiwan, por meio do bloqueio da participação internacional da ilha em todos os níveis. Pequim também utiliza métodos ligados à economia para seduzir Taiwan a manter uma boa relação com a China continental.”

Fang-Yu Chen, professor de ciência política da Universidade Soochow, em Taipé, capital de Taiwan


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Líder filipino vai se aposentar

Aos 76 anos, o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, anunciou, ontem, que não disputará as eleições de 9 de maio de 2022, quando poderia aspirar à vice-presidência, e disse que se aposentará. A decisão abre caminho para a candidatura de sua filha ao posto de chefe de Estado. “O sentimento esmagador dos filipinos é que eu não estou habilitado e seria uma violação da Constituição passar por cima da lei, do espírito da Constituição, concorrer à vice-presidência”, afirmou Duterte. “Hoje anuncio minha aposentadoria da vida política”, concluiu.

Proibido pela Constituição de disputar um segundo mandato de seis anos, Duterte se mantém tão popular nas pesquisas como no momento em que venceu as eleições de 2016, quando prometeu uma grande campanha contra o narcotráfico. Uma pesquisa recente da PulseAsia Research mostrou queda nas intenções de voto de Duterte para a vice-presidência.

Duterte não anunciou quem apoiará como sucessor, mas analistas apostam na candidatura de sua filha Sara, que o protegeria de acusações criminais ante a investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) por sua guerra contra o narcotráfico. Os dados oficiais mais recentes mostram que 6.181 pessoas morreram em mais de 200 mil operações contra as drogas no arquipélago asiático desde 2016, mas os ativistas dos direitos humanos consideram que os números reais são muito superiores.

Prefeita de Davao (sul) e com ótimos índices nas pesquisas, Sara Duterte-Carpio afirmou que não seria candidata se o pai disputasse a vice-presidência. A campanha eleitoral nas Filipinas começou anteontem.

 

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