
Em 12 de julho passado, na última entrevista, concedida ao jornalista Bob Woodward, o general Colin Powell fez um pedido: “Não sintam pena de mim, pelo amor de Deus, tenho quase 85 anos”. “Não perdi um dia de vida lutando contra essas duas doenças”, acrescentou. O primeiro secretário de Estado norte-americano e herói de guerra dos EUA travou um combate contra o mieloma múltiplo, um tipo de câncer que acomete as células do plasma. O tratamento debilitou-lhe o sistema imunológico. Mesmo vacinado com as duas doses, não resistiu à covid-19 e morreu, na manhã de ontem, no Hospital Walter Reed, nos arredores de Washington. Além do mieloma, Powell tinha sido diagnosticado com o mal de Parkinson.
O republicano que ajudou a moldar a política externa dos EUA nos anos 1990 e 2000 entra para a história com uma mácula: a defesa da guerra do Iraque, em 2003, sob a justificativa de que Saddam Hussein possuía armas químicas, perante a Organização das Nações Unidas (ONU).
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e quatro antecessores — Barack Obama (2009-2017), George W. Bush (2001-2009), Bill Clinton (1993-2001) e Jimmy Carter (1977-1981) — lamentaram a morte do general de quatro estrelas. O democrata Biden afirmou que Powell era “um querido amigo e patriota de honra e de dignidade incomparáveis”. “Colin encarnou os mais altos ideais, como combatente e diplomata. (…) Por ter lutado em guerras, entendeu melhor do que ninguém que o poder militar, por si só, não era o bastante para manter nossa paz e nossa prosperidade”, disse. “Powell será lembrado como um dos grandes americanos.”
Para Obama, Powell foi “um soldado e um patriota exemplar”. Por sua vez, Clinton lembrou que o general foi “um soldado corajoso, um comandante habilidoso, um diplomata dedicado e um homem bom e decente”.
Bush, que alçou Powell ao status de funcionário público negro de mais alto escalão na história dos EUA até então, se disse “profundamente entristecido” pela morte do amigo. “Ele foi um grande servidor público, a começar pelo tempo que atuou como soldado no Vietnã. Muitos presidentes confiaram no conselho e na experiência do general Powell. Ele foi conselheiro de Segurança Nacional sob os governos de meu pai (George H. Bush) e do presidente Clinton, e secretário de Estado durante a minha administração. Era tão favorito dos presidentes que ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade — duas vezes”, declarou. Por sua vez, Carter admitiu que a coragem de Powell “será uma inspiração para as próximas gerações”.
Com a experiência de quem cobriu a agenda de Powell quando foi correspondente diplomático da CBS News, Marvin Kalb — professor emérito da Universidade de Harvard e especialista da Brookings Institution — afirmou ao Correio que o ex-secretário de Estado promoveu uma política externa baseada no forte militarismo, no internacionalismo e na liberdade. “Seu maior erro foi falar mentiras à ONU sobre as supostas armas de destruição em massa do Iraque, as quais jamais existiram”, disse. Segundo Kalb, Powell representou “um tipo precoce de conservadorismo, leal à nação e aos seus princípios democráticos fundamentais”. Com base nas experiências no Vietnã, o ex-secretário desenvolveu a chamada “Doutrina Powell”, segundo a qual uma interferência dos EUA em conflito estrangeiro deveria recorrer uma força militar gigantesca e se basear em objetivos políticos claros.
Confronto
Por duas vezes, o escritor e ativista político jordaniano-palestino Sam Husseini confrontou Powell. Em 2006, diante da sede da CBS News, o questionou sobre as armas químicas do ditador iraquiano, Saddam Hussein. Três anos depois, sobre o caso envolvendo Ibn al-Sheikh al-Libi, o líbio que foi torturado para mentir sobre o Iraque. “Powell ajudou a vender a invasão ao Iraque e outras políticas criminosas à opinião pública norte-americana. Ele foi uma ferramenta de longa data do governo — da Guerra do Vietnã à gestão de Ronald Reagan (1981-1989) — e, especialmente, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, para justificar a invasão ao Iraque”, disse à reportagem Husseini, diretor de comunicações do Institute for Public Accuracy (em Washington).
Um veterano atormentado pela ofensiva no país de Saddam Hussein
O filho de imigrantes jamaicanos, herói na Guerra do Vietnã e o primeiro negro a comandar a diplomacia dos EUA sai de cena carregando a “mancha” de seu apoio incondicional à invasão ao Iraque. Exaltado como modelo de servidor público e patriota, Colin Powell teve dificuldades para se livrar do fardo do discurso de fevereiro de 2003, no Conselho de Segurança da ONU, sobre a suposta existência de armas de destruição em massa no Iraque. “É uma mancha... e sempre será parte do meu histórico. Foi doído. Agora ainda dói”, declarou à emissora ABC News, 16 anos atrás. Nascido em 5 de abril de 1937 no Halem (Nova York), ele formou-se em geologia e participou de duas missões no Vietnã: entre 1962 e 1963, como assessor militar do então presidente, John F. Kennedy, e entre 1968 e 1969 para investigar o massacre de My Lai. Foi assessor de segurança nacional de Ronald Reagan e chefe do Estado-Maior Conjunto de George H. Bush e de Bill Clinton (1989-1993). No governo de George W. Bush (D), foi um dos “falcões”, ao lado da conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice (E), ao atuar como secretário de Estado, entre 2001 E 2005.
“Colin encarnou os mais altos ideais, como combatente e diplomata”
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos
“Muitos presidentes confiaram no conselho e na experiência do general Powell”
George W. Bush, ex-presidente dos EUA
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