O Sudão viveu nesta quarta-feira (27) o terceiro dia de grandes protestos contra o golpe militar, enquanto o primeiro-ministro deposto, Abdala Hamdok, voltou à prisão domiciliar.
No exterior, a União Africana e o Banco Central aumentaram sua pressão sobre o Exército: a primeira suspendeu o Sudão de suas instituições e o segundo interrompeu sua ajuda, que era fundamental para este país empobrecido, abalado por conflitos e com uma situação financeira desastrosa.
Abdala Hamdok foi detido na segunda-feira ao lado de seus ministros e dos integrantes civis do conselho que governava o Sudão, mas seu retorno para casa não conseguiu apaziguar os protestos. A polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar os participantes.
As manifestações persistem, apesar das detenções por parte das forças de segurança, que também romperam as barricadas, ao mesmo tempo que retiraram as pedras e pneus usados para bloquear avenidas na capital Cartum.
Hamdok e sua esposa voltaram para casa sob estreita vigilância, informou seu gabinete na terça-feira, enquanto outros ministros e líderes civis continuavam sob detenção militar.
O golpe aconteceu após dois anos de turbulenta transição definida por um acordo de agosto de 2019 para a divisão do poder entre militares e civis, após a derrubada do ditador Omar al Bashir em meio a uma onda de protestos contra seu governo.
Os protestos desta semana levaram milhares de sudaneses às ruas, depois que o general Abdel Fattah al Burhan determinou a dissolução do governo e declarou estado de emergência.
O golpe de segunda-feira foi o mais recente no país africano, um dos menos desenvolvidos do mundo, que teve breves períodos de democracia desde sua independência em 1956.
Burhan se tornou o governante de fato em 2019 como chefe do Conselho Soberano cívico-militar. Ele manteve uma alta patente militar durante as três décadas de governo de linha dura de Bashir.
Além disso, ele tem o apoio das temidas Forças de Apoio Rápido, paramilitares.
As tensões eram evidentes entre os civis e os militares do governo, mas as divisões aumentaram após os que os civis classificaram como tentativa de golpe em 21 de setembro.
"Protestos de um milhão"
Quatro pessoas morreram e muitas ficaram feridas quando os soldados abriram fogo contra os manifestantes, de acordo com fontes médicas.
A internet foi bloqueada e as lojas da capital permaneceram fechadas, após a convocação para uma campanha de desobediência civil. A APS convocou um protesto para reunir "um milhão de pessoas" em 30 de outubro.
Os embaixadores ocidentais reiteraram que para eles Hamdok continua sendo o primeiro-ministro e seu governo o poder constitucional. Também pediram um encontro com o político.
Mas até agora, Hamdok só conversou por telefone com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, que celebrou seu retorno para casa, ao mesmo tempo que expressou "profunda preocupação" com o movimento militar e reiterou o apoio de Washington a uma democracia sob comando civil.
O governo dos Estados Unidos suspendeu a ajuda de centenas de milhões de dólares ao país africano após o golpe e a União Europeia ameaçou adotar medidas similares.
"Grande erro"
Os manifestantes afirmam que não vão sair das ruas até que um governo civil seja restabelecido. Desde que o país se tornou independente, há 65 anos, esteve praticamente sempre sob o mandato de miliares.
No final de 2018 e em 2019, os cidadãos acamparam por meses até forçarem o exército a destituir o presidente Omar al Bashir. Mais de 250 pessoas morreram naquela manifestação.
Agora, dois anos depois, "o movimento de protesto aprendeu com seus erros e está mais sofisticado", afirmou o International Crisis Group (ICG). "Tentar acabar com as manifestações pela força seria um grande erro por parte dos militares".
O centro de pesquisa lembra que os ativistas pró-democracia têm agora "uma rede de comitês locais por todo o país, que podem se organizar de forma eficaz, mesmo sem internet".
De fato, já começaram a organizar manifestações em outras cidades do país, que também estão sendo dispersadas pelas forças de segurança, segundo testemunhas.
Mas a situação é mais tensa em Cartum.
O aeroporto, localizado no centro da capital, onde os manifestantes bloquearam várias estradas com pedras e pneus queimados, está separado das principais avenidas da capital sudanesa apenas por uma cerca. Deveria reabrir nesta quarta-feira à tarde, mas nenhuma companhia aérea anunciou, até o momento, a retomada de seus voos.
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