Dentro de duas semanas, o primeiro turno da eleição presidencial no Chile volta a mexer no instável balanço das forças políticas na América do Sul, com desdobramentos não apenas para o cenário regional, mas também para as dinâmicas internas dos vizinhos — inclusive a disputa pelo Planalto, em 2022. Coincidência ou não, o panorama que se esboça por aqui é semelhante, em linhas gerais, ao que se define para a votação do domingo 21 de novembro: lá como cá, o eleitorado se polariza entre a esquerda e uma direita de tons extremos.
As últimas pesquisas indicam que os chilenos deverão voltar às urnas para escolher, em segundo turno, entre José Antonio Kast, do Partido Republicano, e Gabriel Boric, vencedor da primária no campo esquerdista. Kast, em crescimento nas intenções de voto, assumiu a liderança de maneira até certo ponto surpreendente: em meados do ano, saiu da eleição para a Assembleia Constituinte uma clara maioria de esquerda.
Pela perspectiva de médio e longo prazo, o desfecho da corrida pelo Palácio de La Moneda, em Santiago, será determinante para o jogo político nos próximos quatro anos — período crucial, em que o país terá (enfim) uma Constituição para substituir a Carta legada pela ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990). Com a esquerda na chefia do governo, a gangorra pende claramente. Caso contrário, tende a se configurar um quadro mais sujeito a instabilidades e oscilações.
Olhos atentos
No Brasil, ainda que as variáveis estejam (quase) todas abertas em relação a 2022, as atenções dos estrategistas eleitorais estarão voltadas para a disputa chilena — e não apenas para a torcida. Uma vitória de Kast reforçará a posição de Bolsonaro no âmbito regional, onde o atual titular de La Moneda, Sebastián Piñera, se alinha com as posições do colega brasileiro em temas como a Venezuela, entre outros. A trinca de ases da direita sul-americana se completa com o presidente da Colômbia, Iván Duque, que enfrentará as urnas em maio de 2022 — outra eleição chave para o cenário regional, como a do Brasil.
Faz a força?
Pela esquerda, se apresentam desde já para observação e análise elementos importantes da trajetória de Gabriel Boric. Até as primárias, o nome mais forte do bloco era o de Daniel Jadue, do Partido Comunista, prefeito de uma cidade da Grande Santiago. Embora liderasse as pesquisas de intenção de voto para a eleição de novembro, Jadue foi superado nas prévias — que, em tese, se ofereciam como mecanismo capaz de unir a esquerda em torno de um só nome e potencializar suas chances.
A vitória de Boric, a princípio algo desconcertante, deu lugar a duas linhas de interpretação. A mais convencional aponta para as resistências persistentes, em parcelas do eleitorado, à legenda comunista, até pela presença política marcante que acompanha sua trajetória centenária. A hipótese "conspirativa" se remete ao regulamento das primárias, que permitia a eleitores de direita participar da votação feita entre os esquerdistas: eles teriam se valido desse dispositivo para influir no resultado, com o propósito de ter como adversário, na disputa presidencial, um adversário considerado "mais fraco".
Sucesso ou revés para a esquerda chilena deverá estar sobre a mesa em que os companheiros brasileiros examinam as opções para derrotar Bolsonaro. Em especial, na discussão sobre o formato e a amplitude de uma frente.
Ajuste de curso
Mais ao norte nos Andes, o Peru é outro foco de turbulências — inclusive potenciais — no tabuleiro sul-americano. A apertada eleição do esquerdista Pedro Castillo, sem maioria firme no Legislativo, foi desde logo contabilizada como reforço para os governos da Argentina e da Bolívia, remanescentes do ciclo da esquerda nacionalista. O partido do novo presidente, Peru Livre, define-se como "marxista-leninista" e reivindica o pensamento de José Carlos Mariátegui, pioneiro no esforço de compreender uma sociedade pós-colonial, de raízes indígenas, pelos parâmetros do socialismo científico europeu.
Empossado no fim de julho, Castillo parece ter vencido, anteontem, uma crise precoce que resultou na demissão de seu primeiro gabinete. O sistema político do Peru determina que o chefe de Estado submeta ao parlamento o nome do primeiro-ministro e o ministério. Em nome da governabilidade, o presidente fez uma inflexão em direção ao centro. No movimento mais sintomático, tirou da primeira fila de prioridades a elaboração de uma nova Constituição - bandeira central de campanha.
Contestado pela ala mais à esquerda em seu partido, Castillo correu o risco de se ver sem sustentação parlamentar. Assim como na vitória nas urnas, contra a direitista Keiko Fujimori, conseguiu maioria justa no Congresso para o novo gabinete. Nos próximos capítulos, as emoções se concentram no alcance e na profundidade da correção de curso.
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