O transcurso e os resultados (parcos) da COP26, na Escócia, deixam ao menos uma certeza, entre as muitas incógnitas que permanecem no desafio crucial — e global — de enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Um pouco à moda do que ocorria em questões desse alcance durante a Guerra Fria, qualquer progresso efetivo na agenda ambiental passa hoje pelo entendimento entre as duas potências dominantes (e rivais) na ordem mundial.
Se os EUA, com Joe Biden, retornam com peso ao Acordo de Paris, a novidade no cenário é a entrada da China como protagonista incontornável — inclusive por ocupar a posição de um dos principais emissores de gases do efeito estufa. E os movimentos internos do regime, em Pequim, indicam que parceiros, rivais e adversários terão de levar em conta o novo status do presidente Xi Jinping.
Na antessala do próximo Congresso do Partido Comunista, previsto para 2022, Xi inscreveu nesta semana seu nome no panteão da China Popular. O Comitê Central, em tese a instância máxima do PC no intervalo entre os Congressos, aprovou uma resolução de sentido histórico que sintetiza o balanço centenário da legenda e traça rumos estratégicos para o século 21. Com ela, o presidente se equipara a Mao Tsé-tung, o Grande Timoneiro, líder da revolução vitoriosa em 1949.
Superpotência
Nas sete décadas do regime comunista, só tinha atingido esse patamar, antes de Xi, o sucessor de Mao, Deng Xiaoping, "pai" das reformas econômicas que lançaram as bases para o crescimento irresistível do país nas últimas décadas, incorporando elementos do capitalismo e atraindo investimentos externos em massa. O modelo, objeto de análise e de polêmica entre os estudiosos, é descrito por alguns deles como "socialismo de mercado".
Romper com o igualitarismo do período maoísta, com a crítica direta dos "erros históricos" do Timoneiro, foi o centro de gravidade da obra de Deng. Em 1978, recém-reabilitado após dois anos de turbulência que se seguiram à morte de Mao, o novo líder anunciou o plano das "Quatro Modernizações": agricultura, indústria, defesa e ciência/tecnologia.
O PC da China celebrou neste ano o centenário dando por cumprida a meta de chegar a 2021 como uma nação "modestamente próspera". Xi Jinping assume o leme, como novo timoneiro com um objetivo mais ousado: conduzir o país, até meados do século, à condição de superpotência, equiparada aos EUA no tabuleiro geopolítico. E, para cumprir a missão, acrescenta às modernizações de Deng uma quinta: a transição para a economia pós-carbono.
É coisa nossa
Os passos iniciais da mudança de matriz energética na China já fazem sentir seus efeitos na economia mundial. O Brasil, que tem na potência ascendente seu principal parceiro comercial, sofre o impacto de um efeito colateral específico: a alta nas tarifas de eletricidade provocou queda na produção da indústria chinesa de fertilizantes e agrotóxicos.
É lá que o agronegócio brasileiro se abastece desses insumos para garantir as safras recordes de grãos e outras commodities que seguram a balança comercial pelo nosso lado — graças, em boa parte, à exportação para a China. Além de tech e pop, o agro é dependente dos importadores: a crise energética deles é coisa nossa.
Bric-esconde
Pela ótica da diplomacia brasileira, as ondas de choque irradiadas pela China ressaltam a posição central ocupada, no planejamento estratégico da política externa, pelas relações não apenas bilaterais, mas especialmente no âmbito do Brics. Não por acaso, o presidente Jair Bolsonaro deu destaque à nova potência na última cúpula do bloco emergente, celebrada em setembro, em modo remoto.
Os acenos de Bolsonaro a Xi marcaram uma pronunciada mudança de tom. Ainda no início do ano, em meio à segunda onda da covid e à corrida pelas vacinas, o Brasil enfrentou dificuldades no fornecimento de insumos farmacêuticos justamente de dois parceiros do Brics — China e Índia. E foi sob a batuta de Katia Abreu (PP-TO), porta-voz do agro, que o Senado fritou ao vivo o então chanceler, Ernesto Araújo. Olavista e pró-americano, o ministro se tornara um embaraço nas relações com Pequim.
Na avaliação de um observador atento, familizarizado há longo tempo com os meandros da conexão Planalto-Itamaraty, a fala do presidente na cúpula do bloco emergente tem de se desdobrar em ações que reaproximem o país dos parceiros. "O Brasil tem que parar de brincar de Bric-esconde", provoca o diplomata.
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