A pouco menos de um ano da eleição presidencial, a viagem do ex-presidente Lula à Europa, na semana que se encerra, tem desdobramentos que vão além da dinâmica própria da disputa pelo Planalto, em outubro de 2022. Nesta, o principal desafiante do presidente Jair Bolsonaro — segundo as pesquisas atuais de intenção de voto — ganhou pontos, desfilando prestígio nos altos escalões do continente. A agenda abordada e, muito particularmente, o perfil de alguns dos interlocutores indicam que o fator eleitoral passa a exercer alguma influência nas relações exteriores.
Desde logo, o roteiro cumprido por Lula sinaliza em uma direção política determinada: as forças da centro-esquerda europeia tradicional. Por cima do espectro partidário, porém, o candidato dialogou também em esferas institucionais, como o Parlamento Europeu e uma trinca de personalidades de governo. Essa interlocução estabeleceu, na prática, uma espécie de diplomacia paralela, na qual parceiros se dirigem a um candidato para tratar dos temas que julgam centrais na agenda bilateral e multilateral.
Pré-estreia
Foi com ares de uma prévia para futuros encontros que o ex-presidente foi recebido pelo vice-chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. Depois de levar o Partido Social Democrata (SPD) a uma apertada vitória na eleição de setembro, Scholz conduz difíceis negociações com ecologistas e liberais para formar o próximo gabinete e suceder a chanceler Angela Merkel.
Assim como nas discussões programáticas com os aliados, também com Lula o tema central foram as mudanças climáticas. A reunião se fez ainda sob o impacto da COP26, em que Bolsonaro se fez notar pela ausência. O governo de Scholz terá como missão estratégica acelerar a transição da Alemanha para a economia pós-carbono. E tende a fazer dela o foco da intervenção do país na frente externa, em especial na União Europeia.
À francesa
Teve significado particular a coreografia da chegada de Lula ao Palácio do Eliseu, em Paris, para o encontro com Emmanuel Macron. O presidente francês se apresentou à porta de entrada para receber o visitante, como dispõe o protocolo de recepção a chefes de Estado e de governo. Duas semanas atrás, na Itália, Macron esquivou-se ostensivamente de cumprimentar Bolsonaro durante a cúpula do G20.
Os dois movimentos de Macron se complementam e configuram uma recíproca evidente, embora diplomática, a duas desfeitas de Bolsonaro. Na primeira, o presidente brasileiro fez de público referências ofensivas à primeira-dama francesa, a propósito de responder a cobranças sobre o desmatamento na Amazônia. Na segunda, cancelou de última hora uma reunião com o chanceler Jean-Yves Le Drian, que visitava o Brasil, alegando problemas de agenda — para depois postar fotos em um salão de barbeiro.
Macron, que disputará a reeleição em meados do ano que vem, não pertence à centro-esquerda, ao contrário de Scholz e do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, outro chefe de governo que recebeu Lula oficialmente. O presidente francês, porém, deverá ter como principal adversária, nas urnas, a extrema-direita ultranacionalista e antieuropeia, que nutre afinidades com o presidente brasileiro.
Imita a arte
Um incidente enquadrado na corrida que se desenha entre as principais potências militares por novas gerações de armas propiciou, na semana que se encerra, mais um dos repetidos encontros entre a vida e a arte — no caso, o cinema. Os EUA puxaram a fila das críticas à Rússia pelo teste de um míssil que destruiu em órbita um satélite próprio desativado. A operação teria lançado detritos que ameaçaram a Estação Espacial Internacional (ISS, em inglês) e obrigaram a tripulação — inclusive dois cosmonautas russos — a se abrigar em cápsulas de escape, procedimento de segurança para eventual abandono da estação.
A ISS é, fundamentalmente, uma parceria russo-americana, com participação de outros países. Ela concretiza um modelo imaginado pela cineasta Stanley Kubrick no clássico 2001, uma odisseia no espaço, lançado em 1968 — quando os EUA e a hoje extinta União Soviética tinham na corrida espacial uma das frentes da Guerra Fria. Em 2010, o ano em que faremos contato, uma sequência do filme de Kubrick, o consórcio russo-americano tem como rival uma estação orbital chinesa — como a que existe hoje, e que teria sido também colocada em risco pelos fragmentos do satélite destruído pela Rússia.
A situação de perigo criada para os tripulantes da ISS pela presença crescente de detritos espaciais na órbita da Terra também já frequentou a tela, em Gravidade, filme de 2013 estrelado por Sandra Bullock.
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