O CORAÇÃO DAS AMÉRICAS

Paulo Delgado com Henrique Delgado
postado em 22/11/2021 00:01

São oito países espalhados em uma faixa de terra relativamente estreita, conectando a América do Sul e a América do Norte. Começando no Parque Nacional de Darién, ao sul, e indo até o istmo de Tehuantepec, ao norte, a América Central é um microcosmo dos desafios e oportunidades das forças do mundo globalizado, manifestadas no hemisfério ocidental.

Dentre esses oito países que a compõem, desconta-se dois por razões geográficas e históricas. Um é o caso do México, em que, tecnicamente, apenas seu extremo sul — a parte ao sul do istmo de Tehuantepec, onde ficam os estados de Chiapas, Tabasco entre outros — está na América Central. A maior parte do México está na América do Norte, com o qual está ligado umbilicalmente desde o Nafta, agora chamado USMCA. Se os EUA servem em diversos sentidos como norte para os mexicanos, boa parte dos estados americanos têm enorme influência mexicana. Muito dos EUA se parece mais com o México do que com a Europa. O outro caso é o de Belize, país que não chega a meio milhão de habitantes e foi colônia britânica até 40 anos atrás — e ainda tem a monarca inglesa como chefe de Estado.

O núcleo da América Central está situado em seis países: Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, e Guatemala. Os dois primeiros, mais ao sul, são os mais bem incorporados na globalização, e os de maior renda per capita. Enquanto o Panamá é um dos principais polos logísticos do comércio mundial, a Costa Rica é a que melhor se posiciona, na região, para usufruir dos fluxos econômicos internacionais de um modo que seja sustentável e contribua para a qualidade de vida local. O país é especializado em frutas tropicais — especialmente muita banana —, mas também está bem envolvido em cadeias globais de valor de produtos complexos e atrai turistas e aposentados.

Ao norte dali, Nicarágua, Honduras, El Salvador e Guatemala são mais conflituosos. São países que sofrem mais do que se beneficiam com as forças do mundo globalizado. A Nicarágua segue sua novela de governo por um grupo que abandonou a história emancipatória para impedir o surgimento da democracia. A FSLN derrubou uma família que governava o país como se fosse sua fazenda, mas Daniel Ortega é caudilho familiar e também não acredita em democracia. Assim, a Nicarágua, dos Somozas aos Ortegas, segue pobre e sem direitos humanos.

Apesar das brigas com os EUA, o comércio internacional da Nicarágua depende totalmente dos 60% de suas exportações para lá. É a maior proporção de dependência dentre esses seis países. Por outro lado, os EUA, desde o ano passado, não têm mais nenhuma posição de investimento direto na Nicarágua. Se os EUA querem mesmo liderar a resistência contra o autoritarismo no mundo, precisam reformular a forma questionável com que lidam com a América Central. Inclusive com a consequente projeção que é feita para a América do Sul. Com essa ponte triste entre Nicarágua e Venezuela ligando os maus hábitos da ação e da reação.

Logo acima da Nicarágua, o chamado triângulo norte, composto por Honduras, El Salvador e Guatemala, segue sendo nações expulsoras de pessoas, ejetadas dali por conta da alta criminalidade e da falta de oportunidade econômica decente. Um desperdício de potencial indizível e impagável, já que a Guatemala por si só — de longe a que tem a maior população da região — tem uma das culturas mais ricas e diversas do mundo. Mas, de tão maltratada, segue mais parada do que podia. Navegando entre a fanfarronice e a hiperconectividade com todos os modismos atuais, o jovem presidente-marqueteiro de El Salvador usou a pandemia do coronavírus para benefício próprio. É caso típico dos que ainda estão na fase de se dar bem.

Daqui a uns dias vai acontecer a eleição de Honduras, com chances reais de troca de grupo no poder depois de 12 anos. O país segue governado de maneira confusa. Também outro país muito dependente, com acima de 50% de exportações para os EUA. Segurando a fraude, voltaria daqui a uns dias a esposa de Zelaya, aquele apeado por um golpe rocambolesco em 2009. O qual foi sucedido por uma agremiação que começou flertando com ideias libertárias de um badalado e bem-intencionado economista — Paul Romer, um prêmio Nobel de economia filho de um ex-governador do Colorado — e terminou como um estado narcotraficante.

A América Central é um microcosmo dos desafios e oportunidades das forças do mundo globalizado manifestadas no hemisfério ocidental. Ali tem de tudo e todas as faces dos EUA. Da angelical à criminosa. Inclusive a que demonstra que, se os EUA têm orgulho de ter quintal, são péssimos em paisagismo e pior ainda na escolha de jardineiros.

Caros leitores: a coluna entra de férias em dezembro e retorna em 9 de janeiro. Boas Festas para todos

PAULO DELGADO, sociólogo

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