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Por que novo governo alemão pode ser má notícia para Bolsonaro

As relações entre os dois países, que estão muito ruins hoje, tendem a ficar piores porque o novo governo alemão terá como pilar uma ambiciosa agenda ambiental, justamente a área em que o Brasil tem sido bastante criticado nacional e internacionalmente


A cena aconteceu há pouco menos de um mês, na reunião do G20, na Itália.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, se aproximou de uma roda de líderes mundiais para conversar com o turco Recep Erdogan.

Mas também estava ali Olaf Scholz, vice-chanceler e ministro das Finanças da Alemanha e candidato do partido que havia ganho as últimas eleições no país.

Foi o primeiro encontro de Bolsonaro com o político que deve suceder a atual líder alemã, Angela Merkel.

Mas, afora um cumprimento protocolar, Bolsonaro não trocou mais palavras com Scholz — o presidente brasileiro se dirigiu apenas a Erdogan.

Depois de alguns segundos, Scholz deu as costas para Bolsonaro e foi para a roda ao lado, onde foi imediatamente saudado pelo premiê britânico, Boris Johnson, que logo engatou uma conversa com o alemão.

Agora, Scholz tem tudo para assumir o comando da maior economia da Europa — uma má notícia para o governo Bolsonaro, segundo avaliam analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

As relações entre os dois países, que estão muito ruins hoje, tendem a ficar piores porque o novo governo alemão terá como pilar uma ambiciosa agenda ambiental, justamente a área em que o Brasil tem sido bastante criticado nacional e internacionalmente.

Além disso, a Alemanha passará a ser comandada por um político de uma legenda que tem relações históricas com os maiores adversários de Bolsonaro, o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula.

Agenda ambiental no centro do novo governo

Foi anunciado na quarta-feira (24/11) um acordo entre a legenda de Scholz, o Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão), com outros dois partidos, o Verde e o Liberal Democrático (FDP), para formar uma coalizão para governar o país.

A expectativa agora é que Scholz, de 63 anos, seja eleito chanceler pelo Parlamento alemão entre os dias 6 e 9 de dezembro.

Será a primeira mudança no comando do país após 16 anos de Merkel no poder — e o novo governo chega com ambiciosas metas que colocam a proteção do meio ambiente no centro de seu programa.

Neutralizar o impacto climático da Alemanha até 2045 será o grande foco da coalizão.

Entre os objetivos, está a eliminação gradual do uso de carvão "idealmente" até 2030, oito anos antes do previsto.

Ao mesmo tempo, o novo governo deve tornar os painéis de energia solar obrigatórios nos telhados de novos edifícios comerciais e residências privadas.

Sob o comando de Scholz, a Alemanha também buscará usar 2% do seu território para produzir energia eólica e se concentrar na geração de eletricidade à base de hidrogênio.

Até 2030, 80% da energia elétrica do país deverá ser obtida por meio de energias renováveis, conforme o novo plano,

Será mantida a meta de eliminar os carros com motores de combustão interna até 2035 e ter 15 milhões de carros elétricos em circulação até lá.

Partido de Scholz tem ligações históricas com PT

Ricardo Stuckert
Lula e Scholz se encontraram em Berlim

O cientista político Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise de Planejamento (Cebrap), avalia no entanto que a questão climática será um dos desafios de Scholz.

Porque seu governo tem de um lado os verdes, que pressionam por fortes investimentos em prol de uma reforma ambiental da economia alemã, e do outro os liberais, que querem preservar a estabilidade fiscal do país.

O novo chanceler terá de equacionar esses interesses, e isso pode ter o efeito indireto de aumentar a pressão por mudanças na agenda ambiental do Brasil, diz Alencastro.

"O Scholz pode acabar fazendo o mesmo que o [presidente francês Emmanuel] Macron, que teve dificuldades para avançar nesse tema internamente e tentou compensar sendo mais proativo na política externa", afirma o professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC.

Ao mesmo tempo, o SPD tem ligações históricas com o Partido dos Trabalhadores e o ex-presidente Lula, por causa da raízes de ambas as legendas na atividade sindical.

Foi essa relação inclusive que ajudou a promover o encontro entre Scholz e Lula neste mês em Berlim.

Depois da reunião, o futuro chanceler alemão disse: "Estou muito satisfeito com nossas boas discussões e aguardo com expectativa continuar nosso diálogo".

O ex-presidente também esteve com Martin Schulz, presidente da Fundação Friedrich Ebert, que é mantida pelo SPD. Schulz visitou Lula enquanto ele esteve preso.

Alencastro destaca ainda que o grupo político de Scholz se engajou na campanha pela libertação de Lula e que esses encontros têm um forte simbolismo.

"Estão escolhendo um lado. Não é que vão apoiar a campanha de Lula, mas a Alemanha estará atenta às eleições no Brasil", afirma Alencastro.

Tudo isso deve promover, na sua avaliação, uma mudança na postura da Alemanha em relação ao Brasil em comparação com o que vinha fazendo Merkel até então.

"Merkel tinha uma diplomacia genérica, sem uma especificidade latino-americana, mas Scholz pode destoar dela neste aspecto, apesar de ter se eleito com uma proposta de continuidade", afirma o cientista político.

"A agenda política do SPD casa com essa agenda ambiental reforçada da Alemanha, e isso pode fazer do Brasil um alvo preferencial em um momento em que o país está muito exposto internacionalmente por causa das questões ambientais", avalia Alencastro.

Pressão contra Brasil deve crescer na União Europeia

Os social-democratas venceram a eleição de 26 de setembro, à frente da aliança democrata-cristã de Merkel, que obteve seu pior resultado eleitoral de todos os tempos.

Os verdes alcançaram seu melhor desempenho histórico com a candidata Annalena Baerbock.

Sua campanha girou em torno de uma aliança ambiciosa com o objetivo de iniciar uma mudança de paradigma para transformar a economia.

Descrevendo a crise climática como o maior desafio de nosso tempo, ela disse: "Podemos transformar nossa economia para que se torne neutra para o clima. Temos um acordo em que a neutralidade climática é um denominador comum."

Espera-se que Baerbock se torne ministra das Relações Exteriores no novo governo, enquanto seu colíder dos verdes, Robert Habeck, deve assumir como vice-chanceler, além de supervisionar a transição energética.

Segundo Scholz, essa aliança entre os três partidos do seu governo — apelidada de "coalizão dos semáforos", por causa das três cores das legendas — se dará "em igualdade de condições".

A proeminência do Partido Verde na aliança deverá dificultar ainda mais a vida do governo Bolsonaro, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"A questão ambiental deixa de ser um tema separado e passa a estar dentro de todas as áreas. Está integrada ao projeto nacional. O Brasil não vai mais poder dizer que não vai conseguir fazer progressos nesta área na relação bilateral mas pode ir bem nas outras. Não vai rolar", diz Stuenkel.

O especialista também acredita que isso irá reposicionar a Alemanha dentro do jogo de forças da União Europeia em relação à postura perante o Brasil.

Ele explica que existe uma tensão no bloco entre aqueles que acreditam que o Brasil deve ser pressionado duramente a mudar suas políticas ambientais, mesmo que isso tenha um custo na área econômica, e outros que ponderam que isso pode abrir caminho para uma maior influência de outras potências sobre o governo brasileiro.

"Com a posição de destaque do Partido Verde, que está mais poderoso hoje do que quando saiu do governo em 2005, essa batalha está sendo claramente vencida pelo primeiro grupo", diz Stuenkel.

Reuters
Scholz liderará uma coalizão com forte agenda ambiental

Relações entre Brasil e Alemanha vão mal

A formação do novo governo ocorre em um momento em que as relações entre os dois países estão em uma fase ruim.

O professor da FGV dá como exemplo disso a interrupção dos encontros entre autoridades de ambos os países previstos pelo acordo de parceria estratégica, firmado em 2002 no primeiro ano do governo Lula.

E a suspensão dos pagamentos da Alemanha para o Fundo Amazônia, que financia medidas e projetos de preservação da floresta.

A Alemanha é o segundo maior doador do fundo, atrás apenas da Noruega.

"Estamos há três anos sem uma visita bilateral entre chefes de Estado. Isso é sem precedentes. A única coisa que salva é que a relação entre os dois países é tão antiga que muitas partes envolvidas estão dando continuidade a ela apesar da crise", diz Stuenkel.

O analista diz que também não pegou nada bem para o Brasil que o país tenha deixado após a COP26 a impressão de que escondeu dados que apontam um aumento do desmatamento da Amazônia.

Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que um relatório concluído no final de outubro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que é parte do governo, mostrava uma piora na taxa de derrubada da floresta.

O governo federal nega ter escondido o estudo e diz que teve acesso aos dados quando ele foi divulgado, depois do fim da cúpula sobre o clima das Nações Unidas, realizada neste mês em Glasgow, na Escócia.

"O governo brasileiro perdeu qualquer credibilidade depois disso. A tendência é que as relações entrem em hibernação, porque acredita-se que não há como avançar enquanto o governo Bolsonaro não acabar", diz Stuenkel.

O peso da Alemanha para a economia brasileira

Isso é relevante porque a Alemanha é atualmente um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

Em 2020, foi o sétimo maior comprador de produtos brasileiros e o terceiro maior exportador para o país.

Além disso, tem uma forte tradição de investimentos em cooperação internacional com o Brasil.

Ao mesmo tempo, como maior economia da Europa, as decisões que serão tomadas pelo novo governo terão um grande efeito sobre seus vizinhos.

Em entrevista coletiva, Scholz disse que "a soberania da Europa é a pedra angular de nossa política externa".

Ele destacou a amizade da Alemanha com a França e a parceria com os Estados Unidos.

Essa proximidade com os franceses é outro ponto que desfavorece o Brasil, lembra Argemiro Procópio Filho, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

O presidente francês é um desafeto de Bolsonaro atualmente.

"A França já pressionava a Alemanha contra o Brasil porque tem interesses comerciais que conflitam com os brasileiros. Agora, com a ameaça de que Macron não consiga se reeleger e com os social-democratas no poder na Alemanha, a tendência é que a pressão cresça ainda mais", diz Procópio Filho.


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