Russia

Dimitri Muratov, capitão do último reduto da imprensa livre na Rússia

O jornalista russo Dimitri Muratov, um dos ganhadores do prêmio Nobel da Paz, liderou o emblemático jornal investigativo Novaya Gazeta

Agence France-Presse
postado em 10/12/2021 15:54 / atualizado em 10/12/2021 15:56
O jornalista russo Dimitri Muratov -  (crédito: AFP)
O jornalista russo Dimitri Muratov - (crédito: AFP)

O jornalista russo Dimitri Muratov, um dos ganhadores do prêmio Nobel da Paz, liderou por meio de tempestades sucessivas o emblemático jornal investigativo Novaya Gazeta, um compromisso que custou a vida de vários de seus colegas.

Dois meses após o anúncio do prêmio, Muratov, de 60 anos, o recebeu nesta sexta-feira (10) na cerimônia em Oslo junto à jornalista filipina Maria Ressa, também premiada este ano.

"Fiquemos de pé e honremos com um minuto de silêncio os nossos colegas jornalistas (...) que deram a vida por essa profissão e apoiemos os que sofrem perseguição", disse Muratov. "Quero que os jornalistas morram de velhice", acrescentou.

Como um capitão, Muratov dedicou seu prêmio ao Novaya Gazeta e aos seus colaboradores "mortos defendendo o direito das pessoas à liberdade de expressão", como a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em 2006.

A escolha de premiar este jornal representante de uma imprensa combativa chega em um momento em que a imprensa independente, a oposição e a sociedade civil na Rússia estão sendo duramente reprimidas, geralmente catalogadas como "agentes estrangeiros" ou vetadas por "extremismo".

O presidente Vladimir Putin reagiu ao prêmio alertando Muratov que o Nobel não é um "escudo" que o protege do status de "agente estrangeiro", uma classificação que complica muito a atividade das pessoas e organizações, que passam a estar vigiadas.

Com seus olhos claros e um rosto redondo com uma barba grisalha, Muratov lembra um homem sereno. Mas por trás de sua aparência bem-humorada se esconde um caráter de aço.

"Não iremos a lugar algum, não somos agentes que trabalham para países estrangeiros", afirmou Muratov em março durante uma entrevista com a AFP.

"Ficaremos para viver e trabalhar na Rússia", insistiu, em um momento em que um número importante de opositores e jornalistas deixaram o país após a prisão do principal adversário do Kremlin, Alexei Navalny.

Sempre modesto, Muratov afirmou então que era o opositor quem merecia o Nobel da Paz.

Seu DNA é a investigação 

Dimitri Muratov nasceu em 1961 em Kuibyshev, uma cidade do Volga renomeada como Samara após a queda da União Soviética.

Descobriu sua vocação fazendo colaborações com alguns jornais locais durante seus estudos de filologia na Universidade Estatal de Kuibyshev.

Depois de trabalhar no jornal popular Komsomolskaya Pravda, participou em 1993 da fundação do Novaya Gazeta, lançada com o apoio financeiro do último governante soviético (prêmio Nobel da Paz em 1990), Mikhail Gorbachev.

Muratov, que dirige o jornal quase continuamente desde 1995, o transformou em uma máquina de matérias exclusivas.

Abordando a corrupção e casos que envolviam poder, Novaya Gazeta mergulhou em assuntos delicados, incluindo aqueles que, desde a chegada de Vladimir Putin ao poder em 2000, eram impossíveis de abordar para outros veículos, começando pela guerra na Chechênia.

Até hoje, o jornal - que é publicado três vezes por semana - continua oferecendo longas reportagens investigativas, profundas e ousadas, como sobre os mercenários do grupo Wagner ou a repressão aos homossexuais na Chechênia.

 Preço alto 

Desde sua criação, o Novaya Gazeta pagou um preço alto pelo seu trabalho. Seis de seus funcionários foram assassinados.

O caso mais conhecido foi o de Anna Politkovskaya, conhecida por suas críticas às políticas do Kremlin na Chechênia, assassinada em 7 de outubro de 2006. Os autores intelectuais do crime ainda não foram identificados.

Traumatizado, Muratov quis fechar o jornal, que considerava "perigoso para a vida das pessoas", disse à AFP em março.

Mas os jornalistas o convenceram a seguir em frente.

O ano de 2009 foi especialmente difícil, com três colaboradores do jornal assassinados, entre eles uma pessoa muito próxima de Politkovskaya, Natalia Estemirova, sequestrada em Grozny e encontrada morta pouco depois na vizinha república de Inguchétia.

Muito respeitado no cenário internacional, o Novaya Gazeta continua sendo um jornal ainda marginal na Rússia, onde é lido apenas por uma minoria liberal. No início de dezembro, a tiragem era de 99.000 exemplares a cada edição, enquanto seu site somou18,4 milhões de visitas em novembro.

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