Reino Unido

Festa com 40 pessoas faz premiê britânico correr risco de ser afastado do cargo

Boris Johnson admite que participou de festa nos jardins de Downing Street, durante o lockdown de 2020, pede desculpas e promete assumir responsabilidade pelos erros cometidos. Membros do próprio Partido Conservador e trabalhistas exigem a sua renúncia

Rodrigo Craveiro
postado em 13/01/2022 06:00
 (crédito: Jessica Taylor/Parlamento britânico/AFP)
(crédito: Jessica Taylor/Parlamento britânico/AFP)

Sob forte pressão do próprio Partido Conservador, da oposição trabalhista e de parte da opinião pública para renunciar, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, admitiu que participou de uma festa nos jardins de Downing Street (sede do governo), durante o lockdown, em 20 de maio de 2020, e pediu "sinceras desculpas" ao Reino Unido. "Os jardins são uma extensão do escritório, que esteve em uso constante, devido ao papel do ar fresco na contenção do vírus. Quando fui, às 18h de 20 de maio de 2020, encontrar grupos de funcionários, antes de retornar ao escritório, 25 minutos depois, para continuar trabalhando, acreditei implicitamente que era um evento de trabalho. (...) Eu deveria ter mandado todos de volta para dentro", afirmou, ao garantir que "assumiria a responsabilidade" pelos "erros". 

"Quero me desculpar. Sei que milhões de pessoas neste país fizeram sacrifícios extraordinários nos últimos 18 meses. Conheço a angústia pela qual passaram, impossibilitados de chorar a morte de seus familiares, de viver suas vidas como queriam ou de fazer as coisas que amavam. Entendo a ira que sentem por mim e pelo governo que lidero, quando pensam que em Downing Street as regras não são devidamente seguidas", declarou Johnson.  

Martin Reynolds, secretário particular do premiê, chegou a enviar, por e-mail, o convite da festa para cerca de 100 pessoas. A mensagem estimulava os funcionários do governo a "aproveitarem o bom tempo", tomando algumas bebidas "com distanciamento social" nos jardins da residência oficial. O texto é a prova contra Johnson. Naquele momento, os britânicos podiam se encontrar apenas com uma pessoa, ao ar livre e em local público. Além do primeiro-ministro e da esposa, Carrie, 40 pessoas compareceram ao evento. 

Líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer classificou como "ridícula" a defesa de Johnson e disse que ela chega a ser "ofensiva para a opinião pública britânica". "Quando o país inteiro estava trancado, ele dava festas de bebedeira em Downing Street. Ele agora fará a coisa certa e renunciará?", questionou. Liberais democratas e membros do Partido Nacional Escocês (SNP) se uniram em coro a Starmer. 

Até políticos experientes do Partido Conservador, de Johnson, defendem a saída do premiê. "Ele é o primeiro-ministro, é seu governo que estabelece essas regras e ele deve ser responsabilizado por suas ações", comentou Douglas Ross, líder dos tories (conservadores) na Escócia. O parlamentar William Wragg, também do partido do chefe de governo, considerou "insustentável" a posição de Johnson. 

Diretor do Departamento de Economia Política do King's College London, o professor Andrew Blick disse ao Correio que é incomum um líder da oposição exigir a renúncia do premiê. "Provavelmente, Starmer julga que Johnson esteja em grave perigo. O futuro do governo muito dependerá da forma com que os próprios conservadores o julgarão, se creem que Johnson tem uma responsabilidade permanente sobre o escândalo", comentou.

De acordo com o estudioso, o escândalo em torno da festa em Downing Street se insere em uma sucessão de acusações sobre violação de regras, desonestidade e corrupção. "O Partido Conservador tem que avaliar se a liderança de Johnson está irremediavelmente danificada. Sempre houve reservas entre os tories sobre a adequação dele a um alto cargo", explicou Blick. Ele lembra que o partido escolheu Johnson como líder em uma posição política desesperada, quando o Brexit (processo de divórcio da União Europeia) dividiu o governo e o partido sob o comando de Theresa May. 

"Indesculpável"

Cidadãos britânicos impactados pelo lockdown de 2020 também condenaram a postura de Boris Johnson. Saleyha Ahsan, médica do Serviço Nacional de Saúde (NHS) britânico, perdeu o pai, Ahsan-ul-Haq Chaudry, 81 anos, para a covid-19, durante a segunda onda da pandemia, em dezembro de 2020. "Foi terrível ver como a covid o levou. A doença e a morte foram muito dolorosas e difíceis para ele. Acredito que o meu pai contraiu a doença porque o governo não trancou o país cedo o bastante", desabafou ao Correio, por e-mail, a moradora de Londres. Ela vê o escândalo envolvendo as festas nos jardins de Downing Street como indesculpável. "As regras foram feitas por Downing Street. Como eles não seguiam suas próprias normas? À época, eu trabalhava em um hospital, na linha de frente. Nós entendíamos as regras claramente. Estou furiosa, enquanto médica e cidadã britânica", acrescentou. 

Para Saleyha, as aglomerações em Downing Street foram claras transgressões do lockdown. "Como não podemos ter certeza de que a disseminação das infecções aumentou por causa dessas aglomerações? Sabemos que houve várias festas similares durante o primeiro ano da pandemia", disse. Ela acredita que Johnson não assimilou as lições após a primeira festa. "O premiê afirmou achar que se tratava de uma reunião de trabalho. Mas, houve um convite por e-mail pedindo que as pessoas levassem sua própria garrafa."

Moradora de Liverpool, a professora Amanda McEgan, 50 anos, sepultou a filha, Isabel, 19, vítima de um câncer, em 22 de maio de 2020, dois dias depois da festa promovida por Boris Johnson. "Estou furiosa. Vivemos a coisa mais terrível que qualquer pai pode viver. As severas restrições que seguimos tornaram tudo muito pior. Nossa filha gastou as últimas oito semanas de vida isolada da família, dos amigos e de sua amada irmã, Eleanor. Enquanto nós segurávamos a mão dela, durante sua passagem, o governo que criou as regras que seguimos as ostentava ao extremo. São mentirosos, não têm retidão para governar. Isabel teve mais integridade em sua curta vida do que eles jamais sonhariam ter", afirmou ao Correio, por e-mail.  

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