Um ano após perder eleições, Trump ainda mantém forte influência nos EUA

Em uma transição tumultuada, ex-presidente republicano mantém forte influência sobre correligionários, que endossam retórica sobre fraude nas eleições de 2020. Especialistas avaliam o grau de prestígio do magnata e veem ameaça à democracia

Rodrigo Craveiro

postado em 23/01/2022 06:00

(crédito: Sergio Flores/AFP)

Em 20 de janeiro de 2021, o magnata Donald Trump abandonou a Casa Branca e Washington poucas horas antes de Joe Biden prestar juramento como o 46º presidente dos Estados Unidos. Deixou um pronunciamento à nação, gravado em vídeo, por meio do qual exortou os norte-americanos à unidade. "Agora, mais do que nunca, devemos nos unir em torno de nossos valores compartilhados, superar o rancor partidário e forjar nosso destino comum", declarou à época.

Exatamente duas semanas antes, uma horda de simpatizantes invadiu o Capitólio, sede do Legislativo, no momento em que o nome do democrata Joe Biden era confirmado pelos congressistas. Mesmo fora do poder e renegado pelas redes sociais, Trump segue como voz ativa nos EUA. Quase que diariamente, ele publica declarações com críticas a Biden e comentários sobre as políticas doméstica e externa de Washington. 

Professor de direito na Universidade da Califórnia (Ucla) e especialista em poderes presidenciais e direito constitucional, Jon Michaels admitiu ao Correio que Trump continua a dominar a política e a retórica do Partido Republicano. "Não apenas os candidatos tentam mostrar que são os verdadeiros herdeiros do 'Maga' ('Make America Great Again', ou 'Faça a América Grande Novamente', slogan de Trump). É necessário, também, que os membros do partido continuem a endossar a 'grande mentira' de que a eleição de 2020 foi 'roubada'", afirmou.

O especialista cita a "excomunhão" de Liz Cheney do Partido Republicano depois que a filha do ex-vice-presidente Dick Cheney ousou enfrentar Trump e as fake news propagadas por seu staff. Segundo ele, a mídia de direita e as redes sociais abastecidas pelos conservadores continuam a apoiar o magnata republicano e a promover suas mentiras.

Michaels adverte que o Partido Republicano lança estratagemas polêmicos para tentar reconquistar o poder. "O aumento da violência política — dirigida a funcionários de escolas, da saúde pública e eleitorais — e os esforços para suprimir os votos, especialmente dos negros e dos pardos, parecem centrais para a nova estratégia da legenda na tentativa de manter a influência política. Em vez de conquistarem os oponentes por meio de políticas e de retórica mais inclusivas e políticas, os republicanos os intimidam e os privam de seus direitos", avaliou. 

Por sua vez, Mark A. Petersen, professor de políticas públicas e ciência política da mesma universidade, advertiu sobre a "natureza extraordinária e ameaçadora de Trump" e a desconexão que a maioria da base republicana tem em relação à realidade. "Os congressistas republicanos e as autoridades eleitas pelo partido nos estados estão dispostos a 'comprar' as alegações falsas sobre fraudes nas eleições de 2020 e quase tudo o mais associado ao culto à personalidade em torno do ex-presidente", avaliou, por e-mail.

Simpatizantes de Trump lutam contra policiais, pouco antes de invadirem o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021: democracia em xeque (foto: Roberto Schmidt/AFP - 06/01/21)

Retorno

Autor de His very best — Jimmy Carter, a life ("O seu melhor — Jimmy Carter, uma vida"), o historiador e analista político Jonathan Alter afirmou que Trump continua a exercer enorme influência na política norte-americana. "Ele é o líder cult de um dos nossos dois principais partidos políticos. Mantém grande força dentro do Partido Republicano, maior do que qualquer ex-presidente. Trump planeja um retorno ao poder depois de uma derrota eleitoral, algo que não vimos neste país desde que Grover Cleveland fracassou na reeleição, em 1888, e recuperou a Casa Branca quatro anos depois", disse à reportagem. 

Segundo o escritor, Trump conseguiu forjar um novo modelo da extrema-direita nos Estados Unidos. "Trata-se de uma corrente altamente radical e antidemocrática, no estilo daquela comandada por seu amigo, Jair Bolsonaro", comparou. Alter lembrou que pela primeira vez em 233 anos de história da Presidência dos Estados Unidos, os norte-americanos não assistiram a uma transferência pacífica do poder, graças a Trump. "Isso é algo extremamente radical e aponta para a continuidade da ameaça à democracia representada pelo ex-presidente", observou. "Em 2024, saberemos se ele destruiu a democracia nos EUA. Já sabemos que ela sofreu um grande golpe. A péssima gestão da crise da covid-19 e a incitação a uma insurreição violenta contra o nosso Capitólio são os principais legados de Trump."

 

Risco de violência

crédito: Todd Cheney/Divulgação

Jon Michaels

"Permanecemos em um momento de crise constitucional, justamente porque a nação está tão amargamente polarizada, com a direita aparentemente desinteressada em abraçar a democracia majoritária. A ameaça de violência política continua bem alta, a votação tornou-se mais difícil. Além disso, Trump e o Senado republicano foram bem-sucedidos em colocar três juristas conservadores na Suprema Corte, criando uma maioria de juízes altamente céticos em relação à regulamentação federal, em temas que vão desde mudanças climáticas à saúde pública; indisposta a proteger o direito ao voto; e, aparentemente, pronta a reverter os direitos civis e as liberdades civis."

Professor de direito da Universidade da Califórnia, especialista em poderes presidenciais e direito constitucional