Está marcada para 11 de março a estreia da temporada 2022 no cenário político da América Latina. É quando toma posse, no Chile, o governo de centro-esquerda do presidente Gabriel Boric. Desde a vitória eleitoral, em dezembro, fermentava a expectativa pelo perfil da equipe chefiada pelo político mais jovem — 35 anos — a assumir o Palácio de La Moneda. O anúncio oficial, feito ontem, confirma o gabinete mais claramente à esquerda desde o de Salvador Allende, empossado em 1970 e deposto em 1973 pelo general Augusto Pinochet.
A presença de 14 mulheres entre os 24 ministros configura uma maioria feminina jamais vista na cena sul-americana. Sinaliza uma tendência e potencializa as atenções sobre duas eleições que definirão a balança de poder na região. Em maio, será a vez da Colômbia, onde a esquerda se encaminha para a reta final da campanha em posição inédita. Gustavo Petro, ex-guerrilheiro que se reintegrou à vida civil há três décadas, já foi prefeito da capital. Agora, lidera as pesquisas para a disputa presidencial.
Cipó de aroeira
Entre as ministras que integram o novo governo chileno, a própria função atrai atenções para a porta-voz, Camila Vallejo, uma entre três representantes do Partido Comunista no gabinete. Deputada desde 2014, ela foi uma das lideranças mais visíveis de um ciclo de protestos estudantis que se repetiu na explosão social de 2019.
Mais significativa, porém, é a escolha da titular da Defesa. Maya Fernández Allende é neta do presidente que morreu, em 1973, defendendo o palácio bombardeado pela Força Aérea amotinada. Que seja ela a assumir o comando civil e político das Forças Armadas é um movimento que sugere uma opção clara do presidente. Boric, ele próprio uma expressão dos movimentos sociais dos últimos anos, governará contracenando com uma Constituinte eleita para escrever uma Carta que substitua a legada pela ditadura militar, encerrada em 1990.
Sempre aparece
Na disputa presidencial da Colômbia, o último lance de impacto foi a entrada de uma nova concorrente. Ingrid Betancourt, a mais célebre refém política da guerrilha das Farc, anunciou a pré-candidatura, após prolongado retiro do cenário institucional. Em 2002, ela era candidata à presidência pelo Partido Verde Oxigênio quando se rompeu o processo de paz entre as Farc e o governo de Andrés Pastrana. Ingrid desafiou a orientação do exército e viajou à região do sul do país onde eram realizadas as negociações. Foi capturada pela guerrilha e libertada apenas em 2008, em ousada operação militar.
Desde então, Ingrid passou a maior parte do tempo na França, com a família, praticamente afastada da vida pública colombiana. Retornou a Bogotá para entrar oficialmente na corrida pela candidatura presidencial da coligação de centro integrada pelo seu partido.
No radar
Na expectativa pela posse de Boric, a diplomacia sul-americana se debruça na busca de sinais da orientação que o novo governo imprimirá à política externa. A chanceler será uma advogada sem militância partidária, mas com a carreira profissional ligada às questões de direitos humanos no pós-ditadura. Antonia Urrejola Noguera presidiu no período 2018-2021 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), braço da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Desde o retorno da esquerda ao governo na Bolívia e no Peru — sem falar na Argentina —, voltou ao tabuleiro regional a opção de revigorar mecanismos de integração política, como a Unaul e a Celac. Voltado por natureza para o Pacífico, e adepto por estratégia do comércio exterior sem restrições, o Chile foi até aqui um observador algo distante de iniciativas como o Mercosul.
E por falar...
Outubro está ainda distante, em termos políticos e eleitorais, mas a tendência captada de início nas pesquisas de opinião sobre a corrida ao Planalto alimentam apetite crescente pela definição de quem comandará o Itamaraty a partir de 2023. A perspectiva de um terceiro mandato de Lula é percebida como reforço de peso para o roteiro encenado na América do Sul nas primeiras duas décadas do século, mas fora de cartaz desde que a gangorra pendeu de novo para a direita, nos últimos anos.
O ex-presidente brasileiro é visto como um dos patronos de iniciativas como a Unsaul e a Celac, bem como da revitalização do Mercosul. Formou uma trinca com o colega argentino Néstor Kirchner e o venezuelano Hugo Chávez. Pelo lado brasileiro, os artífices da diplomacia latino-americana foram o chanceler Celso Amorim e o assessor especial do Planalto para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.
O titular mais longevo do Itamaraty desde o barão do Rio Branco serviu como ministro da Defesa no governo Dilma e segue presente no debate sobre a política externa. O "professor" Garcia, como era conhecido pelos amigos e aliados, faleceu em 2017.
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