Contra o Nazismo

A incrível história do homem que se voluntariou a Auschwitz para derrotar os nazistas

A missão dele era era obter informações sobre o funcionamento do local e criar uma rede de resistência interna


Durante muito tempo, seu nome foi um tabu. Mas com o passar dos anos, ele começou a ser lembrado como se recorda dos heróis.

Trata-se de Witold Pilecki, oficial do Exército polonês que em 1940, quando se país acabara de ser ocupado pelas tropas da Alemanha nazista, se ofereceu como voluntário para ser encarcerado no campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia.

Sua missão era obter informações sobre o funcionamento do local e criar uma rede de resistência interna.

Ele permaneceu preso ali por dois anos e meio, período em que sofreu na pele as próprias atrocidades cometidas em Auschwitz, um dos maiores símbolos do genocídio nazista na Segunda Guerra Mundial (1939-45), onde foram mortos mais de 1 milhão de pessoas, a maior parte, judeus.

Esta é a sua história.

Quem foi Witold Pilecki

Nascido em Oloniec, no norte da Rússia, em 1901, Pilecki foi um dos militares com que a Polônia tentou combater a invasão comandada por Adolf Hitler em 1939.

Segundo o historiador Jaroslaw Wróblenski, apesar da notória superioridade da máquina de guerra nazista, "Pilecki tinha vontade de lutar e, em setembro de 1939, pensava que a Polônia derrotaria os alemães em apenas algumas semanas".

Após a rápida anexação da Polônia pela Alemanha, os alemães iniciaram prisões em massa entre a população local, com atenção especial para a captura dos militares poloneses que os haviam combatido no campo de batalha.

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Mais de 1 milhão de pessoas foram mortas no campo de extermínio de Auschwitz, a maioria judeus

Foi então que o campo de concentração de Auschwitz foi criado. Seu propósito e funcionamento não eram bem conhecidos no início, então a incipiente rede de resistência polonesa contra a ocupação decidiu que era uma boa ideia se infiltrar em alguns de seus membros.

Ativo na resistência, Pilecki se ofereceu como voluntário.

Seu sobrinho, Andrzej Marek Ostrowski, era um menino na época, mas ele se lembra do que aconteceu. "Após a campanha militar de 1939, Pilecki voltou a Varsóvia e um dos poucos lugares onde ele pôde ficar foi no apartamento de minha mãe."

"Houve reuniões ali para conspirar contra os nazistas e surgiram rumores de que um grande campo estava sendo organizado perto de Oswiecim", lugar que os nazistas chamavam de Auschwitz.

Quando soube que um dos ataques habituais dos nazistas tinha como alvo o apartamento de sua irmã, Pilecki fez questão de estar presente quando eles viessem capturá-lo.

"No início da manhã, o zelador do prédio, Jan Kilianski, veio correndo à nossa porta e se ofereceu para se esconder em um esconderijo que eles tinham no porão, mas meu tio disse a ele que desta vez ele não iria usá-lo", lembra Ostrowski.

"Meu tio arrumou tudo e se vestiu. Bateram na porta e era um grupo de soldados, alguns em trajes civis. Eles perguntaram se havia algum homem na casa. Eu estava na minha cama e meu ursinho de pelúcia estava no chão. Meu tio me entregou ele e me beijou na testa. Quando passou por minha mãe, disse: 'Informe a pessoa apropriada que eu cumpri a ordem'. Então nós percebemos que tinha sido planejado."

Resistência em Auschwitz

Preso em Auschwitz, Pilecki logo começou a receber um duro tratamento no local.

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Monumento em homenagem a Pilecki

"No início, ele disse que seus dentes foram quebrados porque os alemães queriam que ele carregasse a placa com o número da prisão na boca e ele recusou", conta o historiador Wróblewski. "Eles então o espancaram com uma bengala e o torturaram."

Seu objetivo inicial de criar uma rede de resistência esbarrou na realidade do campo, onde nem tudo era solidariedade entre os presos e às vezes a luta pela sobrevivência gerava conflitos.

Ainda assim, "mesmo naquele inferno, ele criou uma estrutura militar de cerca de 500 pessoas", diz Wróblewski.

Os integrantes da rede trabalhavam em diferentes departamentos e áreas do campo e buscavam obter informações de inteligência que pudessem compartilhar com a resistência fora do campo de extermínio.

Pilecki procurou espalhar seus aliados por diferentes áreas para ter uma ideia geral. Ele sabia em primeira mão as duras condições de vida ali, mas não sabia, por exemplo, quantos prisioneiros estavam exatamente ali, pelo que considerou muito úteis as informações que lhe foram enviadas por seus colegas da rede clandestina que trabalhavam nos escritórios da SS (polícia nazista).

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Pilecki repassava informações sobre as atrocidades cometidas dentro de Auschwitz

Por quase três anos, Pilecki enviou relatórios nos quais fazia um relato de como Auschwitz deixou de ser um centro de detenção destinado principalmente a prisioneiros de guerra poloneses para se tornar um grande local de extermínio de judeus de toda a Europa.

"Ele descreve como era Auschwitz por dentro e manda essa informação para que o mundo reaja, mas o mundo ficou em silêncio", resume Wróblenski.

Depois que seus apelos para que o campo fosse atacado foram ignorados diversas vezes, Pilecki decidiu fugir junto com dois companheiros de resistência.

Escapar de Auschwitz e contornar suas medidas de vigilância era missão considerada impossível, mas Pilecki e seus dois companheiros de fuga conseguiram ser designados como trabalhadores na padaria do campo, que ficava fora do perímetro de segurança. Uma vez lá, ao anoitecer, eles desativaram os fios do alarme, abriram a pesada porta de metal e escaparam.

De volta à resistência

Fora de Auschwitz, Pilecki voltou à luta contra a ocupação nazista e participou do levante de Varsóvia de 1944, com o qual a resistência tentou recuperar a capital polonesa tomada pelos nazistas.

"Sua primeira missão foi eliminar atiradores alemães que, muitas vezes à paisana, atiravam contra membros da resistência", lembra seu sobrinho Andrzej.

A tentativa falhou, e Pilecki foi novamente preso pelos nazistas, que o prenderam novamente em um campo de prisioneiros de guerra.

As tropas americanas o libertaram no ano seguinte, quando a derrota final de Hitler já parecia inevitável.

Um novo inimigo

Mas sua libertação não significou o fim das lutas de Pilecki, que ao final da guerra, embarcou na luta contra o governo comunista que, depois da guerra, se instalou em seu país sob a proteção de Josef Stálin.

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Pilecki acabou condenado pelo regime comunista polonês

Em 1947, as autoridades polonesas o prenderam. Após um julgamento que Wroblewski descreve como "brutal", ele foi condenado à morte.

O jovem Krzysztof Krosior, tataraneto de Pilecki, fala de seu fim: "Minha tataravó lembrou-se muito claramente que um dia, quando ela foi levar coisas para a prisão, eles lhe disseram que ele não estava mais lá. Por 40 anos ela esperava que eles o tivessem levado para uma mina na Sibéria ou em outro lugar e um dia ele iria aparecer novamente."

Em 1990, quando a Guerra Fria estava acabando e o comunismo entrou em colapso em toda a Europa Oriental, um documento oficial confirmou os piores temores. Pilecki foi baleado sem que a família fosse informada.

Krosior diz que por muitos anos sua viúva nem conseguia falar sobre ele. "Na era comunista, meu tataravô teve que ser esquecido."


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