A dimensão do isolamento da Rússia no cenário mundial, após a invasão da Ucrânia, ficou explícita em dois fóruns promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), ontem, em Genebra. O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, enfrentou o boicote da diplomacia internacional à suas participações, por vídeo, primeiro na Conferência sobre Desarmamento e, menos de uma hora depois, na sessão do Conselho de Direitos Humanos. O Brasil não aderiu ao protesto.
As imagens da saída dos representantes diplomáticos contrastaram com efusivos aplausos ao fim do pronunciamento do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, exibido no Parlamento Europeu.
A primeira manifestação contra o governo russo ocorreu quando várias delegações, entre elas as da Ucrânia e de vários países ocidentais, deixaram a sala no momento em que o discurso de Lavrov na Conferência sobre Desarmamento era transmitido por vídeo. A plenária ficou quase sem ninguém. Enquanto o auditório se esvaziava, os diplomatas se reuniam na área externa, em frente a uma bandeira ucraniana, aplaudindo ruidosamente.
Solidariedade
O som dos aplausos foi ouvido na sala onde a fala de Lavrov continuava a ser transmitida, na presença de apenas alguns embaixadores. Entre os que permaneceram, além do Brasil, estavam os representantes de Venezuela, Síria, Iêmen e Tunísia. "É importante mostrar um gesto de solidariedade para com nossos amigos ucranianos", defendeu Yann Hwang, embaixador francês na Conferência sobre Desarmamento.
Uma cena parecida aconteceu, menos de uma hora depois, no início da transmissão do discurso gravado de Lavrov no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os diplomatas saíram da sala, enquanto o vídeo do auxiliar do presidente russo, Vladimir Putin, era reproduzido.
"Muito obrigada por essa maravilhosa demonstração de apoio aos ucranianos que lutam por sua independência", agradeceu a embaixadora ucraniana na ONU em Genebra, Yevheniia Filipenko, que liderou o simbólico ato. "Qualquer invasão constitui uma violação dos direitos humanos (...) violações massivas e perda de vidas civis", afirmou o embaixador francês, Jerome Bonnafont.
Lavrov planejava ir a Genebra para participar presencialmente das duas conferências, mas cancelou a viagem no último minuto. Moscou alegou que as "sanções antirussas", que impedem as aeronaves do país de sobrevoar o território da União Europeia, inviabilizariam o deslocamento, obrigando-o a enviar suas intervenções por vídeo.
A invasão à Ucrânia vem tornando a Rússia num pária internacional. A Conferência sobre Desarmamento foi inaugurada, inclusive, com um minuto de silêncio pelas vítimas ucranianas. A ONU anunciou 102 mortes entre civis e 304 feridos, mas admitiu que o balanço real pode ser consideravelmente maior.
A Ucrânia contabilizou 352 mortos e 2.040 feridos.
"Os ataques russos indiscriminados contra civis e infraestrutura crítica são crimes de guerra e violam o Estatuto de Roma", declarou o ministro ucraniano das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, em referência ao tratado que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). "A agressão russa é uma ameaça global. A resposta deve ser global", frisou Kuleba.
Na segunda-feira, Kiev já havia ganhado apoio para um debate urgente no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ainda esta semana. A reunião terá como objetivo buscar iniciar uma investigação de alto nível sobre as violações cometidas no conflito, a começar pela anexação, por parte da Rússia, da península da Crimeia em 2014.
"Operação especial"
Na fala ao Conselho de Direitos Humanos, Lavrov defendeu a ação russa na Ucrânia, definida por Moscou como "operação especial". O chanceler reforçou que o objetivo é "desmilitarizar e desnazificar" o país vizinho. Ele acusou Kiev de cometer oito anos de violações das liberdades fundamentais da população de língua russa na Ucrânia. "(A ação) é particularmente relevante agora que a Ucrânia está sendo arrastada para a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e está recebendo armas", declarou.
Lavrov usou o discurso no fórum sobre desarmamento para criticar aos Estados Unidos, acusando o país de criar insegurança mundial. O chanceler russo classificiou como "inaceitável" que países europeus estoquem arsenal nuclear americano. "As armas dos EUA deveriam ter sido devolvidas há muito tempo, e a infraestrutura correspondente na Europa também deveria ter sido eliminada há muito tempo", declarou Lavrov em um trecho do discurso.
"Os países ocidentais devem abster-se de estabelecer instalações militares no território de ex-estados da URSS que não são membros da aliança, incluindo o uso de sua infraestrutura para realizar qualquer atividade militar", assinalou.
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» Embaixador do Brasil deixa Kiev
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