Ao sair da maternidade, com uma filha nascida após anos de luta, Deise e Vinicius viram pela janela do carro os tanques e blindados russos deixando Karkhiv. Após meses de ameaças e conflitos armados, as negociações haviam avançado e permitido um tratado temporário de paz entre os ucranianos e os separatistas pró-Rússia. Era dezembro de 2019, nada indicava que as tensões na região poderiam escalar para uma guerra com efeitos mundiais três anos depois.
"Ficou essa visão romantizada na minha cabeça. Meu marido disse que aquilo era um sinal de que a Lua viveria em um mundo de paz", contou ao Correio Deise Leobet, especialista em negócios internacionais e mãe de Lua. Ela e seu marido, Vinicius Carvalho Pinheiro, diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a América Latina e Caribe, passaram décadas lutando para realizar o sonho de terem filhos, e a Ucrânia foi o país onde finalmente conseguiram: Lua é ucraniana, nascida após um processo de útero de substituição.
A Ucrânia é uma das grandes referências na técnica de reprodução assistida que permite que mulheres que não podem engravidar tenham filhos biológicos. É o caso de Deise, que muito cedo recebeu a notícia de que não poderia ser mãe. "Foi uma sentença quase de morte de um médico quando eu tinha 20 anos: a notícia que eu jamais seria mãe", disse. "No dia que eu peguei minha filha nos braços, me dei conta de que uma grande sombra havia se dissipado", continua.
"Ainda temos bastante contato com a mulher que deu luz à Lua. Ela nos liga a cada 'mesversário' dela, já vão fazer 26", conta Deise, que prefere não revelar a identidade da ucraniana por questão de segurança. Em uma troca de mensagens, a moradora de Karkhiv revelou detalhes sobre o ataque russo. Ela disse ainda que busca refúgio na Alemanha.
"Estamos ajudando-a da forma que conseguimos, tanto financeiramente quanto por meio de contatos nos países vizinhos, para tirar ela de lá", diz Deise. "Tenho muitos amigos no país. Recentemente, eu recebi uma mensagem na madrugada de uma amiga praticamente se despedindo. Passei o resto da noite chorando, sem dormir. Ela não deu mais notícias desde então", conta, emocionada.
Solidariedade
Os três voltaram para o Brasil no ano passado. Aparentemente tímida, a menina de dois anos se solta ao brincar com os pais ou com os coleguinhas do bloco. Deise faz questão que a filha conheça a história de seu nascimento e como o povo ucraniano permitiu a realização do sonho de uma vida.
"Dessa situação toda, eu quero deixar para ela a coragem dos ucranianos, as histórias de solidariedade e como eles realmente estão de mãos dadas. Ela já sabe de onde veio, onde nasceu. É nossa ucraniana do cerrado", conta Deise. "Pode parecer piegas, mas a história da Lua é uma história do amor de mãe, de duas mães. É a história do feminino da Ucrânia e da solidariedade de um povo. Sempre tivemos muito apoio dos ucranianos", finaliza.
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