RELATOS DE HORROR

Guerra na Ucrânia: 'Russos mataram minha família enquanto tentavam fugir'

O Tribunal Penal Internacional disse que estão sendo coletadas evidências sobre supostos crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio cometidos pela Rússia na Ucrânia

BBC
Abdujalil Abdurasulov - Da BBC News em Kiev
postado em 05/03/2022 20:14 / atualizado em 05/03/2022 20:15

Atenção: Esta reportagem contém detalhes que alguns leitores podem achar chocantes.

Oleg (à direita) com sua esposa, Irina, e sua filha de 6 anos, Sofia
Arquivo pessoal

Uma família que tentava fugir dos ataques russos tornou-se um alvo deliberado de soldados russos em um posto de controle no sul da Ucrânia, dizem seus parentes. Cinco pessoas foram mortas.

Em 24 de fevereiro, quando as forças russas lançaram seu ataque à Ucrânia, a família Fedko fez uma tentativa desesperada de fugir de sua cidade, Kherson, no sul do país, para se juntar a parentes em um vilarejo onde achavam que estariam seguros.

Oleg, que é policial, teve que ficar, porque seu departamento estava em alerta de guerra total. Seu pai foi levar Irina, mulher de Oleg, e os dois filhos do casal, Sofia, de 6 anos, e Ivan, de 1 mês, para sua casa em Vesele.

Pouco depois de chegarem, as forças russas entraram no vilarejo. As tropas vieram da Crimeia, que a Rússia invadiu e anexou em 2014, e avançaram rapidamente, enfrentando pouca resistência.

A eletricidade e o abastecimento de água foram cortados. Preocupada com a possibilidade de ficarem no meio do combate, a família decidiu fugir, novamente, desta vez para o vilarejo de Nova Kakhovka, onde moravam outros parentes.

Eles eram agora um grupo maior, dividido em dois carros. Um levava a tia, o tio e os primos de Oleg. No segundo estavam seus pais, sua mulher e seus filhos.

A viagem os levaria ao longo de uma barragem, que já estava sob controle russo, para atravessar o rio Dnipro, que corta a Ucrânia, dividindo o país em dois.

O primeiro carro passou por um posto de controle ocupado por soldados russos, mas eles perderam de vista o outro veículo.

Foto dos pais de Oleg
Arquivo Pessoal
Oleg diz que seus pais foram mortos ao tentar chegar a Nova Kakhovka

Denis, irmão de Oleg, estava monitorando seus movimentos por telefone a parir de Cherkasy, no centro da Ucrânia.

Às 17h13, ele ligou para sua mãe. "Eu estava tentando convencer ela a não ir para Nova Kakhovka e a não ficar em Vesele", disse ele. "Eu disse a eles: 'Vão para Odesa, tenho um apartamento lá para vocês'."

Naquele momento, ele me contou, ouviu sua mãe gritar: "Meu Deus, é uma criança, como você pode fazer isso". Sua cunhada, disse ele, também estava gritando.

"Então, eu ouvi o som de tiro", disse ele. "O carro parou e ouvi o barulho da porta sendo aberta. Ouvi o bebê chorar. Ele chorou, chorou, chorou. Então, ouvi [mais] tiros."

Denis estava em choque. O que tinha acontecido? O que ele poderia fazer?

Sua tia, que estava no primeiro carro e também se chama Irina, tentava freneticamente ligar para a irmã, a mãe de Denis. Ela não estava respondendo. Ela tentou outros no carro. Ninguém estava atendendo o telefone.

Irina entrou em pânico. Eles decidiram voltar e verificar. "De volta ao posto de controle", disse ela, "nos aproximamos de um soldado e perguntamos sobre o carro."

O soldado, contou-me Irina, apontou para a vala e disse que "o motorista não obedeceu às ordens e quase atropelou um oficial".

Irina disse que implorou aos soldados que deixassem ela e Oleksandr, seu marido, irem até o carro. "Eu disse que havia crianças lá", ela me contou.

Dois soldados foram até o carro. Oleksandr os seguiu. O carro, segundo ele, estava perfurado por balas. "A frente, a parte de trás e os dois lados tinham buracos."

Irina e Sofia
Arquivo Pessoal
Irina e Sofia, que viajavam no carro supostamente alvejado por soldados russos

Ivan foi retirado por um dos soldados. Ele estava chorando. "Eu disse a eles que [Sofia] também estava lá e corri em direção ao carro. Sofia estava no banco de trás", disse Oleksandr. "Eu olhei para ela e havia um buraco em seu peito".

Os três adultos - os pais de Oleg e sua esposa - estavam mortos.

Sofia ainda estava viva. Ivan agora tinha ficado em silêncio. Irina e Oleksandr levaram as crianças para o carro e correram para um hospital em Nova Kakhovka. Mas os médicos não puderam salvá-los.

Ivan também tinha sido baleado. "Foi na orelha, e a bala atravessou a parte de trás de sua cabeça. Seu rosto estava limpo, mas a parte de trás de sua cabeça estava coberta de sangue. Mas ele ainda estava vivo e chorando", disse Oleksandr.

"Todo esse tempo, os soldados estavam por perto", ele me disse, "mas eles nem vieram checar as pessoas" no carro.

Irina está inconsolável. "Ainda não consigo acreditar que eles se foram. Eu nem mesmo entendo que isso aconteceu conosco", disse ela. "Eu choro o tempo todo."

Os militares russos só permitiram que a família recuperasse os corpos dos adultos no dia seguinte. O médico que inspecionou os corpos disse a eles que todos morreram de múltiplos ferimentos de bala.

A BBC entrou em contato com o Ministério da Defesa russo, que não respondeu.

O Tribunal Penal Internacional disse que estão sendo coletadas evidências sobre supostos crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio cometidos pela Rússia na Ucrânia.

E o Conselho de Direitos Humanos da ONU votou para estabelecer uma comissão para investigar supostas violações de direitos humanos pela Rússia na guerra.

Soldados russos estão cavando trincheiras e fortalecendo suas posições em Nova Kakhovka e vilarejos próximos. A população local vive em constante medo.

"Eu não estava com medo antes", disse Irina. "Mas estou com medo agora."

"Havia alguns soldados russos perto de uma farmácia hoje. Eles estavam checando os telefones das pessoas e seus bolsos. E apontaram suas armas para eles. Entramos no carro e fomos embora", disse Irina em lágrimas.

Oleg continua com seu trabalho no Departamento de Polícia, apesar da perda de sua esposa e filhos.

"Ele está fazendo tudo para proteger nossos cidadãos", disse Denis. "Mas sua dor de não proteger sua própria família enquanto defende a nação é inimaginável."


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