No calor do meio-dia, a sensação na Base Aérea de Brasília era de alívio. Todos os passageiros do voo que acabara de aterrissar decidiram, em algum momento da vida, deixar o país em que viviam para construir um novo futuro na Ucrânia. E todos foram pegos de surpresa quando o presidente russo, Vladimir Putin, cercou, invadiu e bombardeou o território ucraniano, em fevereiro.
Foram exatamente 15 dias desde o disparo do primeiro tiro até o momento em que os 43 brasileiros repatriados pisaram o solo do país natal, na manhã de ontem, em Recife, última escala antes da aterrissagem em Brasília. Para a maioria, o pouso na capital do país nem foi o destino final, e a Operação Repatriação forneceu passagens para que cada um pudesse reencontar parentes e amigos em suas cidades de origem. A última perna da viagem foi oferecida por uma parceria com companhias aéreas brasileiras.
Para o estudante de medicina Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, a volta para casa é curta: ele nasceu em Niquelândia, Goiás, a apenas 260 quilômetros do DF. A distância é menor do que o trecho que ele teve que percorrer pela zona de guerra para fugir dos bombardeios russos. Ele e mais quatro brasileiros percorreram o trajeto de 540 quilômetros entre Kiev e Lviv em mais de 13 horas de viagem.
"Agora, eu só quero dar um cheiro na minha namorada, que está ali, me esperando", disse Rony, rindo, quando perguntado sobre o que fará daqui para a frente. Ele morava havia três anos em Kiev e viveu na Rússia antes disso. Apesar de ter se mudado para o Leste europeu com o objetivo de completar sua formação acadêmica, a guerra mudou suas prioridades.
"Foi um choque de realidade quando eu entrei no supermercado em um sábado e não havia mais água para comprar, as pessoas estavam desesperadas", conta Rony. "Agora, eu pretendo fazer uma transferência externa do curso de medicina para poder exercer a profissão aqui. Pretendo ficar aqui no Brasil e estabelecer família."
Resgate humanitário
Ao todo, 68 pessoas foram resgatadas pela operação em Varsóvia, capital da Polônia, após a fuga da Ucrânia. A maioria veio sentada no compartimento de carga do KC-390, o maior avião desenvolvido e fabricado no Hemisfério Sul e que já foi usado em outras missões humanitárias. Bem menor e mais confortável, o jato executivo Legacy - também de fabricação da Embraer - transportou uma grávida e duas famílias com crianças de colo.
O voo partiu da Base Aérea de Brasília rumo à Polônia, na tarde de segunda-feira, levando 11,6 toneladas de alimentos, medicamentos e itens de necessidade básica para serem doados à Ucrânia. Foram feitas paradas técnicas em Recife, Cabo Verde e Lisboa, tanto na ida quanto na volta. Vieram nas aeronaves 43 brasileiros, 19 ucranianos com laços familiares no Brasil, cinco argentinos resgatados a pedido do embaixador da Argentina, Daniel Scioli, um colombiano, oito cachorros e dois gatos.
Os passageiros foram acompanhados pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos França, que participou pessoalmente do resgate. "Foi ótima a viagem. Houve grande preparação por parte do Ministério da Defesa e do Itamaraty, pudemos dar bastante apoio aos passageiros e chegaram todos bem. Tínhamos um médico e um veterinário a bordo", disse o ministro. Aos 19 ucranianos trazidos para o Brasil, o governo oferecerá o visto de acolhida humanitária, válido por seis meses, com a possibilidade de conversão para visto permanente no futuro.
Após desembarcar em Brasília, os repatriados e seus pets puderam botar a carteira de vacinação em dia. A Secretaria de Saúde do DF aplicou 19 vacinas em adultos e cinco em cães e gatos. Para alguns, foi a primeira oportunidade de se imunizar contra a covid-19. "Tinha que ter muitos documentos e cidadania. Mas aqui, graças a Deus, eu consegui!", comemorou o jogador de futebol William Peraçoli. Também foram oferecidas as vacinas tríplice viral e contra a poliomielite.
A operação foi considerada um sucesso, e não há previsão para que outro voo seja organizado. Segundo informações do Itamaraty, 34 brasileiros permanecem na Ucrânia, sendo que 14 não querem deixar o país. Estima-se que 200 brasileiros conseguiram deixar a zona de conflito e abrigaram-se nos países vizinhos, principalmente na Polônia e na Romênia.
"O presidente já colocou a aeronave em prontidão, mas, na verdade, o que pensamos é que, pelo baixo número de brasileiros que temos registrados na embaixada de Kiev, ficaria mais econômico trazê-los para o Brasil em voos comerciais", disse o ministro Carlos França.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.