De volta para casa

Brasileiros que fugiram da Ucrânia chegam ao país deixando para trás os sonhos de uma vida melhor na Europa. No voo da FAB, também vieram ucranianos, argentinos, um colombiano e animais de estimação. Não há previsão de novos resgates

CRISTIANE NOBERTO VICTOR CORREIA
postado em 11/03/2022 00:01
 (crédito:  Ed Alves/CB)
(crédito: Ed Alves/CB)

No calor do meio-dia, a sensação na Base Aérea de Brasília era de alívio. Todos os passageiros do voo que acabara de aterrissar decidiram, em algum momento da vida, deixar o país em que viviam para construir um novo futuro na Ucrânia. E todos foram pegos de surpresa quando o presidente russo, Vladimir Putin, cercou, invadiu e bombardeou o território ucraniano, em fevereiro.

Foram exatamente 15 dias desde o disparo do primeiro tiro até o momento em que os 43 brasileiros repatriados pisaram o solo do país natal, na manhã de ontem, em Recife, última escala antes da aterrissagem em Brasília. Para a maioria, o pouso na capital do país nem foi o destino final, e a Operação Repatriação forneceu passagens para que cada um pudesse reencontar parentes e amigos em suas cidades de origem. A última perna da viagem foi oferecida por uma parceria com companhias aéreas brasileiras.

Para o estudante de medicina Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, a volta para casa é curta: ele nasceu em Niquelândia, Goiás, a apenas 260 quilômetros do DF. A distância é menor do que o trecho que ele teve que percorrer pela zona de guerra para fugir dos bombardeios russos. Ele e mais quatro brasileiros percorreram o trajeto de 540 quilômetros entre Kiev e Lviv em mais de 13 horas de viagem.

"Agora, eu só quero dar um cheiro na minha namorada, que está ali, me esperando", disse Rony, rindo, quando perguntado sobre o que fará daqui para a frente. Ele morava havia três anos em Kiev e viveu na Rússia antes disso. Apesar de ter se mudado para o Leste europeu com o objetivo de completar sua formação acadêmica, a guerra mudou suas prioridades.

"Foi um choque de realidade quando eu entrei no supermercado em um sábado e não havia mais água para comprar, as pessoas estavam desesperadas", conta Rony. "Agora, eu pretendo fazer uma transferência externa do curso de medicina para poder exercer a profissão aqui. Pretendo ficar aqui no Brasil e estabelecer família."

Resgate humanitário

Ao todo, 68 pessoas foram resgatadas pela operação em Varsóvia, capital da Polônia, após a fuga da Ucrânia. A maioria veio sentada no compartimento de carga do KC-390, o maior avião desenvolvido e fabricado no Hemisfério Sul e que já foi usado em outras missões humanitárias. Bem menor e mais confortável, o jato executivo Legacy - também de fabricação da Embraer - transportou uma grávida e duas famílias com crianças de colo.

O voo partiu da Base Aérea de Brasília rumo à Polônia, na tarde de segunda-feira, levando 11,6 toneladas de alimentos, medicamentos e itens de necessidade básica para serem doados à Ucrânia. Foram feitas paradas técnicas em Recife, Cabo Verde e Lisboa, tanto na ida quanto na volta. Vieram nas aeronaves 43 brasileiros, 19 ucranianos com laços familiares no Brasil, cinco argentinos resgatados a pedido do embaixador da Argentina, Daniel Scioli, um colombiano, oito cachorros e dois gatos.

Os passageiros foram acompanhados pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos França, que participou pessoalmente do resgate. "Foi ótima a viagem. Houve grande preparação por parte do Ministério da Defesa e do Itamaraty, pudemos dar bastante apoio aos passageiros e chegaram todos bem. Tínhamos um médico e um veterinário a bordo", disse o ministro. Aos 19 ucranianos trazidos para o Brasil, o governo oferecerá o visto de acolhida humanitária, válido por seis meses, com a possibilidade de conversão para visto permanente no futuro.

Após desembarcar em Brasília, os repatriados e seus pets puderam botar a carteira de vacinação em dia. A Secretaria de Saúde do DF aplicou 19 vacinas em adultos e cinco em cães e gatos. Para alguns, foi a primeira oportunidade de se imunizar contra a covid-19. "Tinha que ter muitos documentos e cidadania. Mas aqui, graças a Deus, eu consegui!", comemorou o jogador de futebol William Peraçoli. Também foram oferecidas as vacinas tríplice viral e contra a poliomielite.

A operação foi considerada um sucesso, e não há previsão para que outro voo seja organizado. Segundo informações do Itamaraty, 34 brasileiros permanecem na Ucrânia, sendo que 14 não querem deixar o país. Estima-se que 200 brasileiros conseguiram deixar a zona de conflito e abrigaram-se nos países vizinhos, principalmente na Polônia e na Romênia.

"O presidente já colocou a aeronave em prontidão, mas, na verdade, o que pensamos é que, pelo baixo número de brasileiros que temos registrados na embaixada de Kiev, ficaria mais econômico trazê-los para o Brasil em voos comerciais", disse o ministro Carlos França.

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