Guerra na Ucrânia

As mulheres que se voluntariam para a linha de frente do conflito

Conheça cinco mulheres ucranianas que estão na linha de frente da guerra travada contra os russos

Harriet Orrell - Serviço Mundial da BBC
postado em 15/03/2022 19:00 / atualizado em 15/03/2022 19:01
Olena Biletskyi, retratada antes da invasão, treina civis para a guerra desde 2014 -  (crédito: Ukraine Women's Guard)
Olena Biletskyi, retratada antes da invasão, treina civis para a guerra desde 2014 - (crédito: Ukraine Women's Guard)

"Nossa resistência atual tem um rosto feminino", escreveu a primeira-dama da Ucrânia em sua conta no Instagram.

Olena Zelenska, esposa do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, compartilhou fotos destacando os esforços das mulheres após a invasão russa.

E não foi só Zelenska — as redes sociais estão cheias de imagens de mulheres com armas e uniformes militares prontas para lutar na guerra que assola a Ucrânia desde o final de fevereiro.

Famílias foram separadas quando milhões de pessoas, principalmente mulheres e crianças, fugiram para o oeste em busca de segurança, enquanto maridos e pais ficaram para defender cidades sob ataque russo.

Mas muitas mulheres também ficaram para lutar, incluindo Zelenska, apesar do extremo risco que suas vidas correm.

A BBC conversou com cinco mulheres ucranianas na linha de frente da guerra.

Kira Rudik — 'É assustador, mas estou com raiva'

Kira Rudik com arma
Kira Rudik
Kira Rudik recebeu uma arma do governo por ser deputada

"Eu nunca tinha tocado em uma arma até que a guerra começou", disse a parlamentar Kira Rudik. "Nunca precisei."

"Mas quando a invasão começou e havia a possibilidade de conseguir uma arma, fiquei tão chocada com tudo que decidi pegar uma. Ela é pesada e cheira a metal e óleo."

Rudik montou uma unidade de resistência em Kiev que está treinando para defender a capital ucraniana.

Ela mantém em segredo a sua localização, porque, segundo ela, os serviços de inteligência a avisaram que ela está na "lista de assassinatos" do presidente russo Vladimir Putin.

Apesar disso, ela continua seu trabalho como líder do partido Voz no parlamento da Ucrânia, enquanto também patrulha seu bairro com sua unidade.

Uma foto de Rudik com sua arma rapidamente viralizou, e ela diz que isso levou a uma onda de outras mulheres pegando em armas.

"Recebi tantas mensagens de mulheres me dizendo que estão lutando", disse ela à BBC.

"Não temos ilusões de como será esta guerra, mas sabemos que todos temos que lutar para proteger nossa dignidade, nossos corpos, nossos filhos. É assustador, mas também estou com raiva e esse é provavelmente o melhor sentimento que posso ter para lutar pelo meu país."


Das 44 milhões de pessoas que vivem na Ucrânia, 23 milhões são mulheres, segundo o Banco Mundial, e o país tem uma das maiores proporções de mulheres servindo em suas forças armadas.

O Exército ucraniano diz que 15,6% de seus soldados são mulheres — um número que mais que dobrou desde 2014.

Este número pode ser ainda maior após um anúncio em dezembro convocando todas as mulheres de 18 a 60 anos em boas condições físicas a se registrarem para o serviço militar.

As que foram recrutadas ou optaram por ficar na Ucrânia podem acabar enfrentando enormes perigos.

Não se sabe exatamente quantas pessoas morreram nos combates desde a invasão russa, mas as autoridades ucranianas afirmam que mais de mil mortes de civis ocorreram desde 24 de fevereiro.

Não é possível confirmar este número, mas a ONU afirma que, até 8 de março, 516 civis haviam sido mortos.

Além disso, acredita-se que milhares de combatentes de ambos os lados tenham morrido à medida que vai se tendo mais notícias sobre o conflito. E é provável que exista um número muito maior de feridos.

O presidente Zelensky disse que 1,3 mil soldados ucranianos morreram nas duas primeiras semanas da guerra.

Muitos ucranianos próximos aos combates agora vivem no subsolo em porões e estações de metrô para se proteger dos mísseis e ataques aéreos que atingem suas cidades.

Os bombardeios também têm sido indiscriminados, com novas imagens todos os dias de casas destruídas, hospitais arrasados e corredores humanitários ignorados.

Esta é a realidade para aqueles que optam por ficar na zona de guerra da Ucrânia.


Marharyta Rivachenko — 'Eu não tinha para onde fugir'


Ao lado de políticos, mulheres comuns também estão se voluntariando para o esforço de guerra.

Alguns dias antes do início da invasão, Marharyta Rivachenko comemorou seu 25º aniversário em Budapeste, na Hungria, com amigos.

Agora, ela aprendeu a dormir com o som das sirenes de ataque aéreo em abrigos enquanto sua cidade é bombardeada por forças russas.

"Quando a guerra começou, minha família estava em Kharkiv e eu estava sozinha em Kiev. Eu não tinha para onde fugir", disse a gerente de relações públicas à BBC. "Eu não queria ir embora, queria fazer alguma coisa, então decidi me juntar à defesa."

Rivachenko fez cursos de primeiros socorros para se tornar médica em seu batalhão e agora é voluntária como auxiliar de enfermagem.

"Eu estou com muito medo", disse ela. "Eu amo minha vida e quero viver, mas minha vida depende desta guerra, então eu preciso fazer algo para ajudar a acabar com ela."

Yustyna Dusan — 'A minha prioridade é sobreviver'

Yustyna Dusan com um gato
Yustyna Dusan
Antes da guerra, Yustuna Dusan era uma ativista dos direitos dos animais, mas agora não tem tempo para ajudá-los

Nem todos podem ingressar nas unidades de defesa territorial porque elas já têm voluntários demais e nem todos têm experiência suficiente.

A consultora de recrutamento de TI Yustyna Dusan está fazendo tudo o que pode para ajudar seu país.

"Eu estou na reserva e pronta para lutar", disse ela. "Fui retirada para Leópolis, pois sem arma ou carro, eu não poderia ajudar muito em Kiev. Então, estou me voluntariando em uma zona segura por enquanto para ajudar a organizar o envio de equipamentos e ajuda humanitária à linha de frente".

Antes da guerra, Dusan era ativista dos direitos dos animais. Mas, ela diz que não tem mais a estofo emocional para se preocupar com os animais.

"É uma catástrofe que os animais sejam abandonados nas cidades para morrer", disse ela. "Mas minha prioridade é sobreviver, para poder ajudar nossas forças armadas que permanecerão firmes até o fim. Nossos filhos estão morrendo e querem matar todos os ucranianos e nos sentimos tão sozinhos nessa situação. Eu só quero não ser morta."

Olena Biletskyi — 'Eu quero que minha filha nasça em uma Ucrânia livre'

Olena Biletskyi com arma
Ukraine Women's Guard
Olena Biletskyi, retratada antes da invasão, treina civis para a guerra desde 2014

A casa da ex-advogada Olena Biletskyi em Kiev tornou-se a principal sede da Guarda Feminina da Ucrânia.

Ela está grávida de seis meses e decidiu ficar na capital com o marido e as duas filhas, de 11 e 16 anos, para ajudar na defesa da cidade.

"Estamos organizando mulheres na resistência em todo o país", explicou. "Foi uma decisão familiar ficar e lutar, porque não queremos viver sob ocupação. É uma questão entre escravidão e liberdade e esse é o sentimento das mulheres em todo o país. Então vamos ficar em Kiev enquanto pudermos."

Ela e seu marido Oleksandr coordenam o trabalho fisicamente e psicologicamente desgastante de preparar civis para a guerra.

Seus esforços incluem treinamento sobre como fazer coquetéis Molotov, como usar rifles e publicar informações em 33 idiomas em seu site.

A organização de Biletskyi também trabalha para interromper as marcas ultravioletas que eles acreditam serem feitas pelas forças russas para servir como alvos para mísseis e paraquedistas — incluindo uma que sua família encontrou em seu próprio jardim.

"Nos primeiros dias, o medo e a ansiedade foram avassaladores", disse ela. "Mas agora não há medo, apenas o desejo de derrotar o inimigo. Eu não queria fugir e não pretendo. Eu não sei se sobreviveremos, mas quero viver, e eu sonho em ter minha terceira filha em uma Ucrânia livre e independente."

Yaryna Arieva — 'Eu não tenho medo por mim'

Svyatoslav Fursin e Yaryna Arieva
Mikhail Palinchak
Yaryna Arieva e Svyatoslav Fursin se casaram no primeiro dia da guerra

Na manhã em que Putin se mudou para invadir a Ucrânia, Yaryna Arieva tinha uma coisa em mente — ela decidiu se casar. Ela vivia em casas separadas de Svyatoslav Fursin, agora seu marido, e os dois queriam ficar juntos durante todo o conflito.

Os recém-casados juntaram-se à defesa territorial para ajudar a defender Kiev.

"Eu farei tudo o que puder para proteger meu país e minha cidade", disse ela.

"Meu imóvel está aqui, meus pais estão aqui, meu gato está aqui. Tudo que eu amo está aqui, então não posso deixar Kiev e eu vou lutar se for preciso."

Arieva é deputada no conselho da cidade de Kiev, o que significa que ela recebeu uma arma e um colete à prova de bala. Ela se mudou para a base de defesa territorial com o marido, mas ainda não tem experiência suficiente para participar de combate.

Em vez disso, ela espera — rezando, fumando e trabalhando — po notícias de seu marido, que está lutando na linha de frente.

"Antes da guerra eu tinha muito medo. Eu tinha medo de cachorros, da escuridão", diz a jovem de 21 anos. "Mas agora, o único medo que tenho é perder meu marido — não estou com medo por mim."

Yaryna Arieva e Svyatoslav Fursin
Yaryna Arieva
Fursin esteve em duas missões de combate nas duas primeiras semanas da guerra, enquanto Arieva trabalha na sede da Defesa Territorial

Trabalho perigoso

Voluntários estão morrendo na linha de frente, incluindo muitas mulheres.

Em 24 de fevereiro, no primeiro dia em que os tanques russos cruzaram a Ucrânia, a veterana de 52 anos e mãe de cinco filhos, Iryna Tsvila, foi morta em Kiev.

Ela trabalhava como voluntária para defender a cidade ao lado de seu marido Dmytro, que também morreu no mesmo dia.

Uma semana depois, um carro que transportava pessoas que entregavam comida a abrigos de animais perto de Kiev foi alvejado, matando Anastasiia Yalanskaya, de 26 anos, e outras duas pessoas.

Os cães estavam sem comida há três dias e testemunhas dizem que ela se recusou a deixar Kiev para poder ajudá-los.

Outra jovem voluntária, Valeriia "Lera" Matsetska, foi baleada por um tanque russo enquanto dirigia para buscar remédios para sua mãe, de acordo a USAID, entidade para a qual ela trabalhava. Ela estava a poucos dias de seu aniversário de 32 anos.


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